O aviso está feito: a associação ambientalista Zero fará queixa à Comissão Europeia e à justiça portuguesa se o novo aeroporto no Montijo for sujeito apenas a uma Avaliação de Impacte Ambiental e não a uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).
Explicam os ambientalistas que a legislação é clara ao obrigar à realização de uma AAE, a qual deve considerar “as diferentes possibilidades de implantação e evolução de uma infraestrutura destas no território. As notícias recentes dão conta da realização de um estudo de impacte ambiental, o que não corresponde à necessidade legal e a uma boa prática de avaliação, transparência e participação”.
Recorde-se que, neste momento, encontra-se em avaliação a possibilidade de construção de uma nova infraestrutura aeroportuária no Montijo, no local onde se situa a Base Aérea nº 6.
Isto numa altura em que a operadora de aeroportos ANA comunicou formalmente ao Governo que o aeroporto de Lisboa (Humberto Delgado) atingiu, em 2017, todos os quatro fatores de capacidade fixados contratualmente com o Estado para ser desencadeada uma solução alternativa para aumentar a capacidade aeroportuária da capital.
A Zero considera fundamental que sejam esclarecidos aspetos como:
O aeroporto Humberto Delgado será ou não substituído alguma vez pelo aeroporto a implantar no Campo de Tiro de Alcochete?;
Qual o papel do aeroporto do Montijo relativamente a cada uma destas infraestruturas?
Se e enquanto se mantiver o aeroporto Humberto Delgado, que medidas serão tomadas para acautelar a salvaguarda da saúde pública, em particular a redução do ruído através de períodos noturnos de total interrupção do tráfego aéreo como já é comum em diversos aeroportos à escala mundial (Sidney, Frankfurt, e também em equação para Londres Heathrow)?
De acordo com a legislação relativa à Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), encontram-se sujeitos a um procedimento de AAE os planos e programas para vários sectores, incluindo o dos transportes, que constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). De acordo com a legislação relativa à AIA, são sujeitos obrigatoriamente a um procedimento de AIA os projetos de “construção de […] aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de pelo menos 2100 m”.
Para além disso, e ainda de acordo com a legislação, estão também sujeitos a AAE, todos os “planos e programas que, não sendo abrangidos pelas alíneas anteriores, constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos que sejam qualificados como suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente”, o que reforça o entendimento da obrigatoriedade de sujeição da decisão de localização de um aeroporto na Base Aérea no Montijo a um procedimento de Avaliação Ambiental Estratégica.
“A opção de localização do aeroporto deverá ser avaliada tendo em conta e justificando exaustivamente o prosseguimento ou não de outras alternativas, incluindo a opção zero (não construção) e a justificação do prosseguimento ou não de outras possibilidades viáveis (em particular a localização no Campo de Tiro de Alcochete), devendo ser equacionados vários cenários prospetivos possíveis, nomeadamente no que se refere à evolução do mercado e do tráfego aéreo no médio e longo prazo”, declara a Zero.
Para a Zero, a instalação de um aeroporto no Montijo tem impactOs significativos em diversas áreas.
A Zero identificou cinco grandes questões que deverão ser objeto de uma avaliação rigorosa no âmbito da AAE.
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Impacto no objetivo de descarbonização do país até 2050
A infraestrutura em causa permanecerá durante muito tempo, pelo que os efeitos devem ser avaliados numa escala de décadas. “Neste contexto, se na área da mitigação das alterações climáticas há um objetivo assumido de Portugal ser neutro em carbono em 2050, é conveniente promover uma reflexão urgente sobre o contributo deste sector também no nosso país e as soluções que devem ser equacionadas”, aponta a associação.
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Avaliação de incidências territoriais
Um dos principais impactes de uma infraestrutura tão marcante como um aeroporto é o impacte no território, na relocalização e distribuição de várias atividades, nomeadamente ao nível do imobiliário, do turismo e da logística.
“A avaliação do impacte sobre o território deverá ter em conta não apenas a própria infraestrutura, como também todos os projetos conexos, ou seja, os impactes de eventuais construções de novas infraestruturas ou a adaptação de outras já existentes, nomeadamente para garantir a acessibilidade à capital ou ao Aeroporto Humberto Delgado. Também deverão ser tidos em conta os impactes cumulativos com outros projetos que estejam programados para o território, quer já aprovados e ainda não implantados, quer ainda em fase de planeamento (caso das plataformas logísticas e novas infraestruturas de transporte, etc.)”, lembra a Zero.
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Conservação da natureza
A utilização civil da Base Aérea do Montijo implicará necessariamente um aumento de tráfego aéreo na região do Estuário do Tejo, “o que poderá ter impactes significativos na avifauna pelo sobrevoo de áreas da Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET) e da mais extensa Zona de Proteção Especial (ZPE)”, declaram os ambientalistas que acrescentam que “este impacte na avifauna, através do atravessamento das rotas migratórias dos milhares de aves que utilizam todos os anos esta área para invernação e mesmo nidificação, poderá também traduzir-se num perigo para a própria atividade da aviação, pelo aumento do risco de colisão com aves”.
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Ruído e qualidade do ar
Caso não haja construção de uma nova pista, optando-se pela utilização das pistas já existentes (pistas 1 e 19, com sentido sul-norte e norte-sul, respetivamente), “ocorrerá um impacte muito significativo ao nível do ruído em áreas de elevada densidade populacional, nomeadamente na Baixa da Banheira (concelho da Moita). Verificar-se-á intenso ruído no sobrevoo em aterragem (operação dominante dados os ventos mais frequentes de norte), e ainda mais intenso em descolagem, em caso de ventos de sul” aponta a Zero.
“Por outro lado, a operação aeroportuária no Montijo, deverá levar à criação de uma folga no aeroporto em Lisboa, com atuais impactes associados, abrangendo uma zona mais populosa, devendo assim conduzir à proibição total de voos entre as 00h e as 06h no aeroporto Humberto Delgado”, entende a associação que vai ainda mais longe ao lembrar que “o ruído é ainda um elevado fator de perturbação da avifauna do Estuário do Tejo, devendo ser efetuada uma monitorização rigorosa dos impactes do projeto. A qualidade do ar, não apenas associada à poluição das aeronaves mas também ao tráfego rodoviário associado, pode ser também um aspeto problemático”.
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Acessibilidades
No capítulo das acessibilidades, a Zero não tem dúvidas: “A necessidade de garantir novas acessibilidades a esta zona da margem sul, caso a decisão de instalar o novo aeroporto no Montijo se concretize, vem, uma vez mais, salientar o erro à data da opção pela construção de uma ponte Vasco da Gama unicamente rodoviária, sem incluir a possibilidade de um reforço para uma componente ferroviária (ponte essa que aliás não conseguiu cumprir, após 20 anos, o seu principal objetivo de desviar tráfego da Ponte 25 de Abril)”.
Para a Zero, a instalação do aeroporto no Montijo “exigirá necessariamente um reforço das acessibilidades, com a inevitável melhoria da ligação rodoviária ao IC3 e à A12, sendo ainda necessário o desenvolvimento de serviços shuttle do aeroporto do Montijo para a Gare do Oriente e aeroporto Humberto Delgado. Deverá também ser equacionada a possibilidade de alargamento da rede ferroviária na Península de Setúbal, em particular a extensão da linha ferroviária do Pinhal Novo para o aeroporto do Montijo e a extensão do Metro Sul do Tejo até ao Montijo, ligando todo o Arco Ribeirinho Sul (o que estava aliás previsto no projeto inicial)”.
Outra das medidas a esclarecer é a utilização do Cais do Seixalinho no Montijo (adjacente à Base Aérea) para reforço de carreiras fluviais entre o Montijo e Lisboa (Terreiro do Paço/Cais do Sodré).
Zero respostas à Zero
A Zero esclarece que tentou por duas vezes obter uma resposta às suas questões por parte do Ministério do Planeamento e Infraestruturas (entidade que tutela o projeto), no dia 25 de janeiro e no dia 15 de fevereiro, não tendo tido nenhuma reacção, “pese embora este comportamento seja contrário à legislação que regula o acesso dos cidadãos à informação administrativa e ambiental”, lembra a associação.