Desde os anos 80 que me recordo dos avisos relativos à escassez dos combustíveis fósseis. “Vai haver petróleo para mais 20 ou 25 anos”, escrevia-se regularmente há três décadas. As pessoas nascidas nos anos 70, como eu, foram as primeiras a encontrar esse aviso que, ao longo dos anos, foi sendo reforçado culturalmente, através de filmes apocalípticos, em que hordas de steam punks batalhavam até à morte pelos últimos litros de gasolina.
Estamos quase em 2020, o petróleo parece longe de acabar e o seu consumo continua a ser, simultaneamente, fonte de enormes lucros para a sua indústria e de grandes preocupações para todos aqueles que valorizam os efeitos negativos da sua utilização.
É este grupo crescente, liderado por muitos especialistas, que está a mudar a forma como esta situação é encarada.
A opinião pública está finalmente receptiva à mudança do nosso paradigma energético, também devido à intervenção das instituições europeias e nacionais — sobretudo no que diz respeito à qualidade do ar — fundamentais para que estas alterações sejam efetivadas.
Nunca foi expectável que as empresas especializadas na exploração e produção de combustíveis derivados do petróleo tomassem iniciativas para reduzir o âmbito do seu negócio. Este, aliás, está assegurado por muitas décadas. Estima-se que até 2040, o consumo global de energia elétrica suba dos atuais 18% para 40%, mas ainda vai ser necessário muito petróleo e gás.
Tem sido interessante acompanhar as movimentações das petrolíferas nos seus investimentos em energia de baixo carbono.
O petróleo e o gás continuarão a desempenhar um papel importante no futuro, mas estamos no ponto de viragem para reduzir o seu peso no mix energético
O padrão de aquisições tem sido muito semelhante, com aquisições parciais ou totais de empresas produtoras de energia fotovoltaica ou eólica, mas também especializadas na montagem de postos de carregamento para veículos elétricos ou na distribuição de energia para o consumidor final, através do abastecimento doméstico de energia.
Uma das empresas que parece estar mais atrasada é a Shell, mas que está a recuperar o tempo perdido.
Desde o final do ano passado, comprou a holandesa New Motion, que produz pontos de carregamento para veículos elétricos, a First Utility, que fornece energia elétrica e gás a centenas de milhares de lares, comprando ainda participações na Silicon Ranch Corporation, que gere mais de 100 centrais fotovoltaicas nos Estados Unidos. Mais recentemente, a Shell adquiriu 20% das ações do parque eólico offshore de Borselle, na Holanda.
Outras empresas europeias, como a Total ou a BP estão a seguir a mesma estratégia. Talvez a solução mais reveladora tenha sido a da Statoil, a empresa estatal norueguesa, que se propõe mudar o próprio nome para Equinor (Equi de equilíbrio e igualdade, Nor de Noruega), afastando a associação direta ao petróleo. Segundo os seus responsáveis, o pico do consumo do petróleo ocorrerá dentro de dois anos, começando a decrescer progressivamente. Desde 2016 que a Statnor tem investido regularmente na produção de energias renováveis.
Quanto à Galp, a empresa já tem duas centrais eólicas e está a apostar na produção de energia solar, com a aquisição de várias centrais já prevista e a construção da sua primeira unidade em São Teutónio, no concelho de Odemira.
Mais recentemente, a Fundação Calouste Gulbenkian, anunciou estar a ponderar alienar parte do seu investimento nos combustíveis fósseis em prol de uma nova matriz energética, mais sustentável.
O petróleo e o gás continuarão a desempenhar um papel importante no futuro, mas estamos no ponto de viragem para reduzir o seu peso no mix energético, como revelam as estratégias de várias instituições que têm a sua principal fonte de receita ligada aos combustíveis fósseis.
O mundo da energia pode não ter mudado tão depressa e de forma tão radical quanto anunciavam os meus livros infância, mas quando estas alterações têm o reconhecimento das multinacionais do setor, podemos estar seguros de que este caminho é inevitável.
Gostei e vai continuar haver e consumir o petroleo