António Sá da Costa
António Sá da Costa
Professor e Presidente Direção da Associação de Produtores de Energias Renováveis (APREN)

"Acredito que até 2040 Portugal poderá ter 100% da eletricidade de origem renovável."

Porque escolhi um veículo elétrico

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Tenho uma teoria relativa à aquisição de um carro por um português do sexo masculino, que provavelmente é aplicável a outros países. Penso que, de uma forma geral, um português escolhe o seu próximo carro por razões ditadas pelo coração e, depois, procura na razão justificações para a sua escolha.

Estas justificações são baseadas, muitas vezes, em números e questões técnicas, a maior parte das vezes de importância menor, mas que servem para justificar perante ele próprio e também perante os outros a razão da escolha. Não quer assumir a escolha de um determinado modelo de carro porque gostou ou porque foi “amor à primeira vista”, mas na minha opinião, não tem de dar explicações a terceiros pela sua escolha.

Eu não sou uma pessoa muito dada a gadgets ou a mudar constantemente de equipamento para ter a última moda ou o último grito da tecnologia. Sou muito conservador e adverso a mudanças, pois qualquer alteração de equipamento implica um grande período de adaptação durante o qual sinto algum desconforto.

Na minha vida pessoal fiz muitas opções, como qualquer um de vós também fez, mas nisto de novas tecnologias houve três que classifico como mais importantes, se assim as posso classificar, que versaram novas tecnologias e que foram todas muito pensadas e justificadas racionalmente. Todas estas três escolhas tiveram todas duas características comuns e que foram: o “relativo” pioneirismo de quando optei por elas, e consequentemente de ter “sofrido” durante os primeiros tempos dos males desse pioneirismo e não poder usufruir de todas as vantagens que poderia esperar; a outra característica é a de que optei por essas escolhas porque achei que o futuro passava por elas de uma forma incontornável. Não me enganei, nem estou arrependido de as ter tomado.

Nesta altura o leitor interrogar-se-á que escolhas foram essas? Vou descrevê-las por ordem cronológica justificando-as.

A primeira foi em 1990 e diz respeito ao telemóvel. Nessa altura era responsável pelo projeto e construção de várias centrais hidroelétricas até 10 MW de potência, na altura chamavam-se mini-hídricas, todas a norte do rio Vouga, o que me obrigava a viajar muito por essas zonas, mas também tinha de manter um contacto estreito com as equipas do escritório. Como achei que era mais eficiente falar em viagem dum telefone móvel, do que estar constantemente a parar em restaurantes e hotéis e pagar custos elevados das chamadas. Eu diria desse aparelho que dadas as suas dimensões e peso era mais transportável que móvel.

Nos fatores que ponderei não foram só os custos e o comodismo, mas também era claro que a rede era fraca e não cobria todas as zonas. Tive a certeza que pouco a pouco a rede se iria expandindo e hoje é praticamente total e já não conseguimos viver sem o telemóvel. Aparelho que, entre muitas coisas também faz chamadas telefónicas.

A segunda escolha prende-se com um dos meus hobbies: a fotografia. Comecei a fotografar com cerca de 10 anos com uma velha Leica, do final da década de 1930, que era do meu pai, que ainda hoje tenho. No final do século passado, tendo eu mais de 40 anos de fotografia, começaram a aparecer comercialmente as máquinas fotográfica digitais. Olhei para elas com muita curiosidade, mas também com algum ceticismo.

Continuava a fazer fotografia analógica, mas sentia-me incomodado psicologicamente por não experimentar a fotografia digital. Um dia, no início deste século, enchi-me de coragem e fui estudar o mercado e optei por uma máquina pequena que tivesse umas características interessantes e que não fosse muito cara. Não queria uma máquina muito grande pois queria levá-la juntamente com o meu restante equipamento sem aumentar muito a carga, mas também queria andar sempre com ela para o que pudesse aparecer.

Rapidamente fiquei convertido, sentindo uma grande vantagem de não ter que mudar de rolo e esperar por ver o que tinha fotografado. Percebi que esgotava o cartão de memória e a carga da bateria, aspetos que resolvi comprando vários cartões e várias baterias.

A conversão foi total. Não abandonei o meu equipamento analógico, que conservo em estado operacional por respeito aos longos anos de bom serviço prestado. Mas as câmaras digitais evoluíram de tal forma que em praticamente todos os aspetos superam as analógicas, isto claro associado ao facto do processamento fácil que hoje em dia se consegue das fotografias. Mas não se pense que me converti totalmente ao digital, pois continuo a imprimir as fotografias para partilhar com a família e amigos, pois os arquivos digitais não servem para nada se não os virmos com os outros, e também tenho que confessar que a partilha digital não me convence devido à pirataria que grassa por aí.

Falta relatar a terceira escolha, que é fácil de perceber qual é, pois caso contrário não estaria este texto neste site. Exato, vou relatar como e porque optei por um veículo elétrico. Não irei mencionar a marca, mas, apesar disso, vai ser fácil identificar no decorrer do texto.

Em 2013, tinha o meu “carro a petróleo” seis anos, comecei a pensar nas alternativas para a sua substituição em 2015 e uma das hipóteses, embora remota, era um veículo elétrico (VE). Em junho de 2014 tive o privilégio de acompanhar o então Ministro do Ambiente e Economia numa missão aos Estados Unidos. Tivemos a oportunidade de visitar uma fábrica de VEs na Califórnia e de experimentar um destes automóveis.

Fiquei entusiasmado com a experiência e vi que o futuro passava por aí. Comecei a fazer contas ao investimento inicial, aos benefícios fiscais associados e acima de tudo aos custos de exploração. Fui comparando modelos, fazendo contas e mais uma vez ponderando os “ses” de ser uma decisão ainda muito do início. Também pesou na minha análise o facto de ser presidente da direção da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis.

Acredito, e fundamento esta minha convicção, que até 2040 Portugal poderá ter 100% da eletricidade de origem renovável. Não tenho dúvidas, e espero que o leitor também não, que temos de descarbonizar a nossa economia a fim de minimizar os efeitos das alterações climáticas. Esta descarbonização implica muito mais que produzir eletricidade a partir de fontes renováveis. Obriga a ser eficiente e racional no uso de toda a energia, o que por sua vez pressupõe a eletrificação de muitos dos usos que fazemos no nosso dia-a- dia recorrendo a energias fósseis, ou por exemplo ao uso do sol para aquecer a água sanitária, o que também já faço há muitos anos.

Um dos usos que também pode ser eletrificado é o do transporte privado, com os imediatos benefícios para o Ambiente, mas também para a economia nacional, pois os VE passará a ser abastecido sem a necessidade de importar combustíveis fósseis. Tendo tudo isto na minha mente, em março de 2015 tomei a decisão e no início de agosto desse ano recebi o meu VE.

Rapidamente apercebi-me que o que estava nas minhas mãos não era um carro normal, mas antes um “computador com rodas”. Mais se reforçou esta minha convicção quando o software do carro ia sofrendo atualizações. O hardware que tenho hoje é o mesmo que quando o comprei há quase três anos, contudo o carro que conduzo não tem nada a ver com o que eu comprei.

Há atualizações que não me apercebo do seu benefício, mas outras fico muito contente por tê-las agora comigo, como o estacionar sozinho, a condução autónoma, o estacionar o carro através do telemóvel comigo fora do carro, muito útil nos estreitos parques de estacionamento portugueses. E muitas mais e todas elas não me custaram nada. Por outras palavras tenho um VE mais moderno todos os meses sem ter gasto mais nada além da compra inicial.

Rapidamente apercebi-me que o que estava nas minhas mãos não era um carro normal, mas antes um “computador com rodas”

Os maiores problemas que tive com o abastecimento residiram, num passado não muito distante, quando encontrava os postos de carregamento em Lisboa ocupados por carros a petróleo, felizmente a Câmara Municipal de Lisboa optou por instalar os sinais devidos e agora é mais raro tal acontecer.

Posso referir que cerca de 2/3 da eletricidade com que carreguei no meu VE foi feita no posto de carregamento que tenho em minha casa, e durante as horas de vazio, sendo os restantes carregamentos feitos em postos públicos e fundamentalmente em viagens longas. Posso ainda dizer que feitas as contas em média com a eletricidade equivalente ao custo de um litro de gasolina consigo percorrer 80 km, isto é equivalente a 1.27 litros aos 100 km. Em dois anos fiz uma revisão que se limitou a verificações gerais e à substituição dos filtros do ar condicionado com um custo de menos de 200 €.

O fazer deslocações acima de 200 km em cada sentido poderia ser um problema, mas não foi. Tenho que confessar que a primeira vez que fiz uma deslocação grande tive algum receio. Foi a Évora, são cerca de 150 km em cada sentido pelo que quando fui na ida ia com medo de se não conseguisse carregar em Évora não ter carga para regressar pois nunca tinha testado os limites da bateria, por outras palavras a autonomia máxima. Por isso não passei dos 110km/h na ida, tendo chegado com cerca de 60% de carga na bateria. Também em Évora não consegui carregar pois ou os postos de carregamento estavam avariados ou tinha carros a petróleo estacionados.

No regresso já vim a 120 km/h e cheguei com alguma folga a casa. Esta cena repetiu-se mais umas duas vezes, mas eu já me sentia confiante e deu para perceber que viajando dentro dos limites legais a autonomia real do meu VE era de 360 km reais. Posteriormente os postos foram de carregamento foram reparados e os carros a petróleo deixaram de estacionar neles e melhor ainda em Évora, como em muitos outos sítios apareceram mais postos de carregamento rápido.

Deixei de ter problemas em viajar por Portugal, com a exceção do Nordeste transmontano, mas espero que rapidamente esta limitação seja ultrapassada. Claro que a viagem exige um pouco mais de planeamento, tal como almoçar junto dum posto de carregamento rápido e por vezes também fazer um carregamento rápido no destino se tiver de regressar no mesmo dia, ou quando tenho de ficar mais do que um dia apenas tenho de ter a preocupação de pernoitar num hotel que tenha um posto de carregamento, que não necessita de ser rápido, e já vão havendo muitos por aí. Perguntará o leitor quanto tempo é que fico a carregar nestes postos, pois tem variado entre 15 e 40 minutos. E não é uma perda de tempo, pois aproveito o tempo para comer, para ler o ou para por os emails em dia em vez de esperar pelo fim da viagem. Uma pessoa vai-se adaptando a estas novas realidades.

Se não tiver viagens longas a fazer costumo percorrer cerca de 400 km por semana e em média carrego o meu VE 6 vezes por mês, todos os fins de semana na minha casa de Cascais, e em média mais uma vez durante a semana, naquelas semanas em que ando um pouco mais. Normalmente estes carregamentos são feitos à noite, mesmo durante a semana. Onde moro em Lisboa não tenho garagem pelo que recorro aos postos públicos.

Não quero com isto dizer que é tudo um mar de rosas, pois o facto de nos depararmos com o posto de carregamento rápido ocupado é uma possibilidade. Ainda são poucos os que permitem o abastecimento simultâneo de dois VEs ou os locais em que há mais do que um posto de carregamento rápido, mas eles vão começar a aparecer. São os tais problemitas do pioneirismo, que não me fazem arrepender da decisão tomada.

Foi arriscado tomar a decisão há três anos? Foi. Mas foi um risco consciente e medido. Hoje em dia já é mais fácil optar por um VE. Cada vez têm maior autonomia, cada vez há mais postos de carregamento e cada vez mais penso que o futuro da mobilidade, pública e privada, passa pela eletrificação do mesmo.

Encorajo a todos os que lerem estas linhas a pôr a hipótese de a curto prazo optarem por um VE, em especial se as deslocações citadinas forem as dominantes, façam as contas considerando todas as variáveis e chegarão à conclusão que vale a pena mudar.

O futuro da mobilidade será elétrico e quanto mais depressa se fizer a mudança melhor para nós e para todos.

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