Francisco Mota
Francisco Mota
Jornalista e jurado do prémio Car Of The Year (COTY)

Durante 95% da vida útil de um automóvel, ele está estacionado. Tratando-se de um modelo híbrido Plug-In ou de um elétrico, temos um grande potencial de armazenamento de energia elétrica. Aqui pode estar uma solução para a estabilização da rede elétrica.

Automóveis ligados à rede

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Entre a produção e o consumo de energia elétrica, tem que haver sempre uma paridade, pois não é possível armazenar eletricidade de forma rentável. O problema é que essa paridade é muito difícil de atingir, pois o consumo varia muito ao longo das horas do dia. Há alturas de muito pouco consumo e outras alturas de muito alto consumo. No primeiro cenário, a energia é desperdiçada, pois os custos da redução momentânea de produção são mais elevados do que simplesmente perder a energia produzida. No segundo caso, é preciso acrescentar à rede centrais de produção suplementares, para haver eletricidade que chegue para todos.

Mas imagine que se conseguia de facto encontrar uma maneira rentável e viável de acumular energia, nas alturas de baixo consumo, para depois a restituir à rede, nas alturas de alto consumo. Os automóveis elétricos e híbridos Plug-in podem ter aqui um papel a desempenhar, sobretudo sabendo-se que, como qualquer outro automóvel, passam 95% da sua vida útil estacionados. Se nessa altura estiverem ligados à rede elétrica, as suas baterias podem servir para guardar energia, nas horas de vazio, devolvendo-a à rede, nas horas de pico. Chama-se a isto V2G, ou “Vehicle To Grid” e há vários projetos a serem desenvolvidos que envolvem fabricantes de automóveis e empresas de distribuição de energia.

Da mesma maneira, os veículos elétricos podem ser integrados na gestão da eletricidade do domicílio do proprietário. Por exemplo, acumulando energia elétrica gerada por painéis solares, colocados no teto da casa, para ser usada mais tarde na alimentação de todos os aparelhos elétricos dessa casa. Se a quantidade de eletricidade gerada por via solar for excedentária, pode mesmo ser vendida às empresas de distribuição de energia, em horas de pico de consumo. Neste caso, trata-se de V2H, Vehicle To Home, o início da relação entre as baterias de iões de Lítio, usadas nos automóveis e os edifícios.

Na verdade, esta relação pode ser estendida para lá da vida útil de uma bateria num automóvel, que termina quando a capacidade utilizável desce dos 70%. Nesta altura, os construtores retiram as baterias dos carros e substituem-nas por unidades novas, mas não as mandam de imediato para a reciclagem. Juntando várias baterias, pode formar-se um agregado com uma capacidade de armazenamento muito considerável, perfeito para funcionar como acumulador estático em edifícios. Reutilizar, antes de reciclar.

Também no V2H a interação entre as baterias e a rede de distribuição de eletricidade poderá seguir um conceito semelhante ao do V2G, além de poder servir de fonte de alimentação de emergência, em edifícios públicos em que o corte de energia é crítico, como nos hospitais ou nas fábricas, só para dar dois exemplos. São vários os construtores de automóveis que trabalham nesta reutilização das baterias, quando já não servem para mover carros.

O desafio é encontrar um plano de recondicionamento das baterias e um canal de distribuição que seja rentável, que não acrescente custo à ideia, o que parece só ser possível com algum tipo de incentivo governamental.

Outra ideia que já está a ganhar embalo é a V2B, Vehicle To Building, ou seja, a total integração das baterias de iões de Lítio com edifícios e com a rede de distribuição local, quer se trate da sua vertente embarcada em automóveis, ou em aplicações estáticas. Imaginar um edifício público, equipado com um dos agregados de baterias recondicionadas, que poderiam ser carregadas através de painéis solares ou a partir da rede, nas alturas de baixo consumo, não é difícil. O passo seguinte seria transformar esse edifício num fornecedor de energia a nível local, em alturas de pico de consumo ou em casos de emergência que impliquem o corte geral. Ou mesmo funcionar como posto de carregamento de baterias de veículos elétricos.

A vertente técnica de todas estas ideias e de outras, que sigam o conceito V2X, não é o maior problema. Os obstáculos estão do lado da parte legislativa, dos contratos estabelecidos com as distribuidoras de energia e de um processo de compatibilidade e harmonização que ainda falta construir. Mas aquilo que parece óbvio é que os carros elétricos parados ou apenas a carregar a sua bateria é um cenário demasiado redutor para não ser mudado nos próximos anos.

 

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