[Como banda sonora para a leitura deste texto, o autor propõe a audição do tema “Delirium”, de Eberhard Weber, constante do álbum “Pendulum”, editado em 1993 pela editora ECM]
A história da arquitetura entrecruza-se indelevelmente com a dos avanços tecnológicos de cada tempo, sendo fruto, ou dando lugar, a mutações culturais que desembocam em saltos ou retrocessos civilizacionais.
A concordância estabelecida entre os desígnios das grandes épocas e a sua tradução material e espacial através da arquitetura, é evidente e incontornável. Assim sendo, é inevitável que da revolução tecnológica em curso não decorram profundas alterações na forma de se conceber e materializar edifícios e cidades. E, consequentemente, na forma como os vivemos, também. Resta saber se será a voracidade do progresso tecnológico a ditar os tramites da vindoura arquitetura, subjugando-a acriticamente ao devir; ou se esta se conseguirá impor como voz que (re)clama a justa síntese dos efervescentes tempos que vivemos.
De igual forma, sempre houve uma profunda relação – nem sempre pacífica, é certo –, entre arquitetura e política, sobretudo ao nível dos grandes temas do ordenamento do território, das opções urbanas fundamentais e das respostas às idiossincrasias culturais de cada tempo.
Esclarece-nos Aldo Rossi, na obra “A Arquitetura da Cidade”: “A política, de facto, constitui aqui o problema das opções. Quem, em última instância, escolhe a imagem de uma cidade? A própria cidade, mas sempre e somente através das suas instituições políticas. Pode-se afirmar que esta opção é indiferente; mas seria simplificar obviamente a questão. Não é indiferente; Atenas, Roma, Paris são também a forma da sua política, os sinais de uma vontade”.1
Neste sentido, a crise social e política que atravessamos – materialmente expressa na nossa paisagem, nas nossas cidades e em muitas das nossas vidas –, espelha a degeneração típica do final de uma era e o vazio gerado pela subsequente crise de valores, a que acresce o nosso passivo embarque num acelerado futuro para o qual ainda não entrevemos qualquer novo paradigma de sociedade: na prática somos os obreiros da revolução tecnológica sem, contudo, assumirmos o controlo da sua implementação. Isto porque dificilmente conseguiremos saber o que fazer com a tecnologia se, definitivamente, não soubermos o que queremos enquanto sociedade. E esta é a grande questão coletiva à qual ainda não estamos a dar a devida atenção.
Deste modo, são ainda insondáveis os contornos que a arquitetura e o urbanismo irão adquirir uma vez informados pela revolução tecnológica em que embarcámos, no sentido em que não podem ser já símbolo de uma época que ainda não o é: falta-nos um desígnio, um conceito, uma síntese para que a(s) forma(s) da arquitetura possa(m) dar um passo em frente, tornando-se então expressão plena de uma nova era, de uma nova vontade, de uma nova realidade.
Para já, tomemos consciência que vivemos num momento charneira da história da humanidade. Resta saber como nos posicionamos perante o futuro: “Estamos de mangas arregaçadas ou de braços caídos?”2…
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1 Aldo Rossi, A Arquitetura da Cidade, Edições Cosmos, 2001
2 José Tolentino de Mendonça, Elogio da Sede, Quetzal Editores, 2018