Uma semana antes do salão de veículos comerciais de Hannover, a Mercedes-Benz Vans revelou à imprensa mundial um protótipo que é bem mais do que um mero veículo comercial. O Vision Urbanetic é literalmente a visão conceptual da marca alemã para o futuro da mobilidade urbana. O modelo foi mostrado em Copenhaga, na Dinamarca, e o Welectric marcou também presença no evento.
O Vision Urbanetic consiste numa plataforma ou prancha (a marca usa a expressão skateboard) elétrica e autónoma, em cima da qual podem ser montadas várias carroçarias, seja para transporte de mercadorias, seja para transporte de passageiros. É, por assim, dizer, um “2 em 1” ou mesmo “3 em 1” se se utilizar este modo de transporte noutra função ou para outro tipo de atividade ou serviço.
A filosofia é: uma mesma estrutura utilizada em diferentes ambientes. Por outras palavras: um chassis autónomo movido a eletricidade que pode levar diferentes carroçarias comutáveis.
A ONU prevê que quase 2/3 da população mundial viverá em cidades no ano 2050. Atualmente, apenas 55% da população global reside em metrópoles. Hoje, cerca de 12% de todas as pessoas já vivem nas 33 maiores aglomerações urbanas do mundo, as chamadas megacidades. Até 2030, estima-se que haja mais dez megacidades de mais de dez milhões de habitantes cada. O impacto associado ao tráfego e ambiente serão um problema.
Mas perguntar-se-á: esta fórmula não é a mesma que, há muito, a indústria automóvel aplica, de aproveitar uma única plataforma para lançar diversos modelos?
O princípio pode aparentar ser idêntico, mas o que está subjacente a este conceito da Mercedes-Benz é mais vasto, implicando até um novo modelo de mobilidade para as metrópoles, em relação ao qual o construtor de Estugarda acredita que as megacidades hiperpovoadas (que cada vez mais tenderão a surgir daqui em diante) não poderão fugir, sob pena de perderem qualidade de vida, competitividade e deixarem escapar o comboio da sustentabilidade.
Uma plataforma que se adapta
Assim, para além de ser elétrico e autónomo, este skateboard idealizado pela Mercedes-Benz Vans é altamente modulável, pois pode receber uma carroçaria para o transporte de pessoas durante o dia (em trajetos vaivém em linhas dedicadas e pré-definidas ou em serviços de shuttle à lá carte, flexíveis e ininterruptos) e à noite ser-lhe montada, de forma simples e através de um processo automático, uma caixa aberta (estilo pick-up) ou fechada para transportar objetos.
No final de 2016, a Mercedes-Benz tinha revelado o Vision Van (na foto), o comercial do futuro: inteligente, elétrico e totalmente interconectado.
O mesmo veículo ganha, assim, múltiplas funcionalidades, incorporando ele próprio o espírito das cidades inteligentes, onde a eficiência e a sustentabilidade andam de mãos dadas.
Neste contexto, os responsáveis da Mercedes-Benz anteveem que este concept possa ser um transformador de jogo (game-changer), trazendo novos players e oportunidades de mercado, bem como tendo o potencial de criar novos negócios.
“O Vision Urbanetic é parte de uma solução de um sistema holístico”, sublinha a marca alemã.
O mundo em 2036
A estratégia da mobilidade da Mercedes assenta no termo CASE, acrónimo para Connected, Autonomous, Shared/Services e Electric. Na foto: Dieter Zetsche, CEO da Daimler.
Embora os traços deste Vision Urbanetic sejam futuristas, a Mercedes-Benz prevê que a aplicação deste conceito de transporte (e de indústria automóvel) possa ser realidade em 2036. Ou seja, daqui a cerca de década e meia poderemos vir a ter nas nossas cidades dezenas de veículos elétricos autónomos para nos deslocarmos ou para transportarmos bens.
“O Vision Urbanetic elimina a separação entre pessoas em movimento e transporte de mercadorias”, refere o fabricante para quem este conceito reduz os fluxos de tráfego, alivia as vias do centro da cidade e contribui para melhorar a qualidade da vida urbana.
Para passageiros e mercadorias
Na valência de veículo de transporte de passageiros, o Vision Urbanetic, que mede dos 5,14 metros, pode funcionar para ride-sharing (uma espécie de partilha de boleias) que acomoda até doze pessoas (8 sentadas e 4 em pé).
Enquanto módulo de mercadorias, este protótipo pode ser dividido em dois pisos e carregado com dez paletes EPAL. O Vision Urbanetic dispõe de um espaço de carga com 3,70 metros de comprimento e 10 m3 de volume.
A palete de madeira de transporte mais comum mede 1200 mm x 800 mm x 144 mm, sendo conhecida por europalete ou palete EPAL (European Pallet Association). É uma espécie de medida de referência internacional usada na indústria. No caso do Urbanetic, o veículo acolhe até dez paletes EPAL.
Além disso, com exceção dos tempos de carregamento da bateria e de manutenção, cada veículo pode ser utilizado 24 horas por dia, 365 dias por ano. “Isso viabiliza, por exemplo, uma operação lucrativa de soluções de transporte público local que não seria comercialmente exequível com um condutor”, sugere o construtor.
Infraestrutura de TI
Projetando ainda mais o futuro, este concept incorpora uma infraestrutura de TI (Tecnologias de Informação) que permite que as rotas possam ser planeadas de forma flexível e eficiente com base nas necessidades de transporte do momento.
Graças à completa interligação dos sistemas e com base em todo o género de informações recolhida pela inteligência artificial do Urbanetic, o veículo pode aprender e adaptar as suas rotas. A informação da realização de um concerto, por exemplo, permitir-lhe-á prever que essa zona estará congestionada, reagindo em conformidade de modo a planear outro trajeto.
Assim, encontrando-se totalmente ligado em rede, o veículo faz parte de um ecossistema.
Digitalização e urbanização
Nesse tal sistema holístico perspetivado pela Mercedes-Benz, de conectividade e comunicação integrada de todos os elementos (de que aqui já falava Jörg Heinermann, responsável de vendas e marketing da submarca EQ da Mercedes-Benz), os dados captados por um veículo permitem identificar a afluência de um maior número de pessoas num ponto da cidade (final de uma partida de futebol, por exemplo), levando a que outros veículos autónomos de forma imediata se desloquem para satisfazer esse incremento de procura verificada. É a digitalização ao serviço da urbanização. “O sistema pode, portanto, reagir com flexibilidade e não se baseia em rotas rígidas ou horários fixos”, salienta a Mercedes-Benz.
Com este sistema, o fabricante prevê no futuro o transporte de mais pessoas e bens com menos veículos: “Isso acabaria por facilitar o incremento da qualidade de vida urbana – com deslocações flexíveis e confortáveis de pessoas e com transporte eficiente e sustentável de mercadorias, acompanhados de significativas menores emissões de ruído e poluentes e maior liberdade no planeamento urbano”, aponta a marca.
A estratégia da Mercedes-Benz para veículos comerciais dá pelo nome de “adVANce“. Será através que a divisão de Vans da marca alemã passará a ser mais do que um construtor de furgões (“hardware”). A estratégia “adVANce” centra-se em três campos de inovação: aplicações de conectividade e IoT (Internet of Things ou Internet das Coisas), que possibilitam a integração das mais diversas tecnologias nos veículos (digital@vans), soluções de hardware para o setor do transporte (solutions@vans) e novos conceitos de mobilidade para o transporte de cargas e pessoas (mobility@vans).
Esta visão levará a que o posicionamento da própria Mercedes-Benz evolua e à transformação do seu negócio, passando de um fabricante de veículos para um fabricante que também é fornecedor e agregador de múltiplas soluções de sistemas de mobilidade. “Na Mercedes-Benz Vans estamos já nesse caminho, com a estratégia “adVANce” que vimos implementando desde 2015″, declara Wilfried Porth, membro do conselho de administração da Daimler AG, responsável pela Mercedes-Benz Vans.
Sobre o facto de se tratar de um carro autónomo e disso ainda merecer o ceticismo de inúmeras pessoas, a marca insiste na total segurança do Urbanetic, graças aos seus sensores, radares e sistemas de monitorização e mapeamento que analisam e antecipam todo o ambiente rodoviário.
O Vision Urbanetic comunica com as pessoas, usando o ecrã de formato grande, na grelha dianteira, para informar os peões que podem atravessar a rua. A viatura aguarda até o peão terminar a travessia e informa-o por mensagens de texto e imagens intuitivas se vai arrancar ou se está à espera.
Copenhaga na vanguarda
Copenhaga foi escolhida para esta apresentação. Por que motivo? “É um lugar muito interessante em termos de transporte e mobilidade. Há a ponte de Öresund, como uma ligação para a Suécia: a maior ponte suspensa por cabos do mundo para tráfego rodoviário e ferroviário. Depois há o Metro local, como um sistema de transporte totalmente automatizado, sem motorista”, justifica Wilfried Porth.
O membro do conselho de administração da Daimler AG responsável pela Mercedes-Benz Vans destaca o objetivo da capital dinamarquesa de querer ser climaticamente neutra até 2025, bem como o facto da cidade, desde 2006, ter investido mais de 13,5 milhões de euros por ano no desenvolvimento da sua infraestrutura de bicicletas.
Com efeito, a rede de ciclovias nesta cidade soma agora 1000 km, dos quais 200 km são rotas através de áreas verdes. Quase um em cada dois habitantes de Copenhaga, usa uma bicicleta nalguma parte do seu dia: “Se se olhar em volta da própria cidade de Copenhaga, nota-se rapidamente a excelente infraestrutura para os ciclistas, incluindo os inúmeros sistemas de aluguer para partilha de bicicletas. Portanto, há uma conexão clara entre Copenhaga e a nossa visão: o networking, as emissões zero, a mobilidade partilhada e autónoma também são preocupações elevadas no caso da Daimler”, conclui.