O ministro do Ambiente e da Transição Energética, deixou claro que para Portugal garantir a neutralidade carbónica dentro de três décadas terá de haver “uma significativa alteração nos hábitos dos portugueses”.
João Pedro Matos Fernandes, que falava na apresentação do “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” (RNC2050) que decorreu esta terça-feira, 4 de dezembro, na Fundação Calouste Gulbenkian (como aqui lhe demos conta), entende que os setores de que mais se espera um maior esforço são os da produção de eletricidade e da mobilidade.
4 mil milhões de euros de poupança anual
Além dos benefícios ambientais, o corte com os combustíveis fósseis trará ganhos financeiros, destaca o governante: “A poupança anual decorrente das importações em combustíveis que deixaremos de comprar atingirá os 4 mil milhões de euros por ano, o que representa um valor acumulado (entre 2020 e 2050) de 128 mil milhões de euros”.
Em 2030, 80% da energia elétrica produzida no país virá de fontes renováveis; em 2050 terá de ser de 100%.
A nossa dependência energética do exterior é hoje de 75%. Em 2030 será de 65% e em 2050 terá de ser de 17%.
O uso de petróleo que hoje ultrapassa os 65 milhões de barris/ano não irá além dos 10 milhões em 2050 e já não será usado na mobilidade terrestre.
“As trajetórias custo eficazes de produção de energia a partir de fontes renováveis estão identificadas, bem como a capacidade de reserva que as baterias terão até essa data. Esta trajetória e este compromisso farão de Portugal um alvo de concentração de investimentos, se mantivermos no presente e no futuro uma política pública previsível, amiga destas apostas e sem sobressaltos regulatórios e fiscais”, afirma o responsável do Ministério do Ambiente.
Edifícios de escritórios descarbonizados
João Matos Fernandes afirma que “já em 2040, todos os edifícios de escritórios serão 100% descarbonizados e, em 2050, essa descarbonização chegará a todos os edifícios residenciais – isto é, consumindo apenas energia elétrica, com o aquecimento e arrefecimento garantido por bombas de calor, e com o aquecimento de águas provenientes do solar”.
Economia vai cescer
À plateia que o ouvia no auditório da Gulbenkian, o ministro referiu que esta previsão e este compromisso não traduzem qualquer restrição à atividade económica: “Dos três cenários avaliados, aquele que confirma a nossa capacidade de ser neutro em carbono é aquele em que a economia, bem como a população e até a mobilidade, mais crescem”.
“A redução da produção e da deposição de resíduos em aterro, a par da redução do desperdício alimentar, assim como, as opções de partilha conduzirão a novos modelos de negócio”, entende ainda o ministro.
Um terço de elétricos em 2030
Em termos de transportes, em 2030, o compromisso do país é de que um terço dos veículos ligeiros sejam elétricos, bem como toda a logística urbana. “Em 2050, estes valores devem rondar os 100%, devendo existir uma penetração expressiva do hidrogénio nos pesados”, diz Matos Fernandes.
Proibições de circulação
Hoje, em Portugal, 5% dos veículos que entram no mercado já são elétricos ou híbridos “plug in”.
Sem rodeios, o ministro para a Transição Energética declara que “podemos falar em proibições de circulação de veículos a gasóleo ou gasolina. Sou até dos que pensa que já na próxima legislatura deverá ser dada às autarquias, por Lei, o poder de definir localmente políticas específicas neste domínio”.
João Matos Fernandes acrescenta, em paralelo, que “mais importante do que isso, será a redução de preços que resultará da massificação dos carros elétricos que conduzirá a que, já na próxima década, deixe de ser custo eficaz comprar um carro a gasóleo, e na década seguinte o mesmo acontecerá para os motores a gasolina. Este é o melhor desincentivo à introdução dos motores a combustão”.
Biocombustíveis na aviação e transportes marítimos
Afirma ainda o governante: “Na atividade dos transportes, em 2050, só na aviação e no transporte marítimo estaremos a usar combustíveis fósseis, nessa data já com uma incorporação crescente de biocombustíveis”.
“Vai assistir-se a rápidas e consistentes mudanças em todos os sectores de atividade. Na mobilidade vamos assistir a uma disrupção; em poucos anos, muito vai mudar” – ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes.
João Matos Fernandes refere que “as apostas de valorização do território e do capital natural e a circularidade na economia são chave para o sucesso, daí decorrendo a necessária e densa articulação destes três vértices de política”.
Aumentar a área florestal
O ministro diz que “do lado da capacidade de sequestro de carbono, isto significa não perder, mas sim aumentar ligeiramente a área florestal do país, reduzindo a área média ardida por ano em cerca de 40%. Significa também aumentar as áreas de pomares e hortícolas e sobretudo as de agricultura de precisão, nela incluídos os regadios, usando menos fertilizantes e sendo mais eficiente no uso da água”.
“Temos que ter espaço para discutir mas não temos tempo para hesitar” – ministro do Ambiente
“O que este roteiro nos propõe é um caminho, com cambiantes, de crescimento, mas regenerador de recursos e tendencialmente neutro em carbono. A riqueza de um país não se pode medir apenas em PIB. A riqueza de um país tem de traduzir os níveis de qualidade de vida, a segurança, a qualidade da educação, os níveis de emprego, a qualidade do ambiente, os ativos ambientais, os recursos endógenos, entre outros aspetos”, afirma este governante.
Na visão de Matos Fernandes, “o que este roteiro nos apresenta é uma nova conceção de desenvolvimento que contribuiu para todos estes desígnios. Uma visão sobre o país que queremos ser e que queremos em conjunto construir. Um país que soube aproveitar os seus recursos endógenos, que não negou as novas tendências associadas à economia da partilha e à digitalização e que soube apostar na inovação, envolvendo a sociedade no caminho da neutralidade”.
30 mil milhões de euros por ano de 2020 a 2050
Para a descarbonização da economia, é esperado “que a dinâmica económica de mercado apoiada por um enquadramento de políticas públicas adequadas, dê origem a um investimento anual de 30 mil milhões de euros entre 2020 e 2050. No entanto, é preciso ir mais além. Para se atingir a neutralidade carbónica são necessários investimentos adicionais anuais na ordem de, pelo menos, dois mil milhões de euros, (cerca de 6% do valor do investimento realizado (FBCF)), reforçando-se assim a importância que a neutralidade carbónica tem no crescimento da economia, através da capacidade que apresenta na componente do investimento”, diz Matos Fernandes.
Porém, lembra o governante, “os custos das alterações climáticas estão há muito estudados. Os custos da adaptação serão muito superiores aos custos das políticas de mitigação”.
“Oportunidades de investimento”, diz ministro
Assim, “não faz sentido falar em custos quando estamos a falar de um roteiro para 2050. Faz sentido sim, falar em oportunidades de investimento que irão estimular a inovação, a criatividade e a competitiva das empresas. As novas tecnologias em que a neutralidade carbónica assentará vão originar o desenvolvimento de novos setores económicos e de novas oportunidades de emprego. Torna-se assim essencial também garantir uma adaptação das competências de todos os trabalhadores, e alunos, para o mundo novo que aí vem”, refere o titular da pasta do Ambiente.
Digitalização e economia de baixo carbono
Acrescenta Matos Fernandes: “Para que o potencial económico da neutralidade carbónica aconteça é necessário orientar os investimentos públicos e privados para atividades, processos e tecnologias que contribuam efetivamente para uma economia neutra em carbono e circular”.
“Podemos ser flexíveis nas soluções até porque em 30 anos serão muitas as surpresas ditadas pela história, mas não podemos dar, nem a nós próprios, qualquer margem nas metas fixadas” – João Matos Fernandes, ministro do Ambiente.
Uma vez que estes investimentos serão mais vincados já na próxima década, está a existir uma dinâmica internacional de reorientar os fluxos financeiros para financiar e investir nesta nova economia neutra em carbono e circular: a nível europeu, existe já o compromisso de que 25% das despesas da UE vão contribuir para os objetivos climáticos e que mais de 50% do Fundo Europeu de Desenvolvimento e do Fundo de Coesão serão alocados à digitalização e à economia de baixo carbono. Os Estados Europeus estão gradualmente a apostar nas Obrigações Verdes, uma vez que elas constituem um sinal claro do compromisso do País para com a neutralidade carbónica e circularidade. Faz todo o sentido Portugal também analisar esta possibilidade”, diz.
Projetos que valorizem a sustentabilidade
O governante prosseguiu o raciocínio: “O setor financeiro europeu está a ser desafiado, pela própria Comissão Europeia, para reorientar os seus empréstimos e investimentos, para projetos que vão ao encontro da neutralidade carbónica.
Assim, a confirmação da emissão de obrigações verdes no futuro próximo, a robustez do preço do carbono e o envolvimento do setor financeiro no financiamento de projetos que valorizem a sustentabilidade dos investimentos será o próximo passo da ação política do nosso Ministério”.