Nos últimos dois trimestres de 2018, o mercado norte-americano foi atingido por um fenómeno inédito. Pela primeira vez em várias décadas, um construtor americano conseguiu a liderança do sector premium. E, mais surpreendente ainda, conseguiu esse feito com um automóvel elétrico.
O Tesla Model 3, ainda sem a versão mais acessível, foi o modelo mais vendido na chamada categoria de luxo, com cerca de 138.000 unidades entregues.
E ainda ofereceu um trimestre de avanço aos seus concorrentes da Lexus, BMW, Mercedes-Benz e Audi, porque a sua produção só atingiu um volume de relevo no segundo trimestre de 2018.
Este resultado é ainda mais surpreendente se tivermos em conta que, nos EUA, os EV representam apenas uma quota de 1,12% do mercado.
Na Europa, as primeiras entregas do Model 3 já começaram este mês. Em Portugal, devem estar a começar, talvez já na próxima semana.
De início, os vários mercados europeus vão ter poucos automóveis para entrega e estarão disponíveis apenas os modelos mais caros, que arrancam, em Portugal, nos 61.200 euros. Mas é de esperar que, com a ajuda do Model 3, os veículos elétricos possam representar bastante mais de metade das vendas de automóveis na Noruega já este ano. As vendas de janeiro já são conhecidas e os EV e PHEV garantiram 80% das vendas. Na Holanda, espera-se que o Model 3 possa liderar a tabela de vendas em breve. Em ambos os mercados, os veículos elétricos têm uma presença superior bastante à média europeia.
Uma escolha sofisticada e exclusiva
A mudança está em curso, mas o que se está a alterar diante dos nossos olhos é o conceito de premium no mercado automóvel. O avanço tecnológico é sempre premiado com a atenção do público mais sofisticado. Até porque, de início, as tecnologias são dispendiosas e, por isso, mais exclusivas.
Atualmente, as pessoas compram elétricos por vários motivos, mas a questão aspiracional é decisiva. A questão ambiental será secundária, mas contribui para uma sensação de superioridade (moral) em relação aos restantes membros da sociedade. Desde o início da história do automóvel que a vaidade é um excelente acelerador do vendas. Basta ver o sucesso dos diversos kits desportivos montados em vulgares modelos com motores de entrada de gama, sobretudo em Portugal.
O sucesso da Tesla depende tanto deste fator como da qualidade intrínseca (inegável, aliás) dos seus produtos.
Outras marcas, como a Nissan, a Hyundai e a Kia estão a posicionar os seus EV contando com o fator aspiracional em mente. Sabem que os veículos elétricos não são para todos, pelo menos, tão cedo. A economia de escala, neste caso, tem os seus limites, pelo que, o que compensa é apontar a um publico-alvo disposto a pagar mais para andar de elétrico. O Kauai Electric, por exemplo, custa mais do dobro das versões com motor de combustão. Não são dirigidos ao mesmo público.
O empurrão das empresas
No caso concreto do Tesla Model 3, que sem dúvida, aproveita o factor aspiracional criado pelos mais dispendiosos Model S e X, resta saber como vão as empresas portuguesas reagir.
No papel, o Model 3 permite aos seus quadros, que anteriormente optavam por um BMW série 3/4/5, Mercedes Classe C ou E, Audi A4/A5/A6 aceder a um veículo mais exclusivo, sofisticado e com emissões zero locais, com custos operacionais mais baixos.
Pode haver alguma resistência à mudança mas, a julgar pelo que aconteceu no mercado americano, ela é perfeitamente possível. Sobretudo se alguma das principais gestoras de frota conseguir/quiser ter rapidamente o Model 3 no seu portfólio.
Se tudo isto se conjugar — quantidade suficiente e interesse das empresas — então, o sector premium também em Portugal vai mudar radicalmente.
O automóvel elétrico poderá tornar-se o mais desejado pelos CEO que procurem uma imagem moderna e ambientalmente responsável. Se assim for, assistiremos à queda em desgraça do Diesel, para já, no mercado premium. E, como o exemplo vem de cima, aos poucos, as ondas de choque virão por aí abaixo, influenciando todos os setores do mercado.