A União Europeia (UE) reviu o Regulamento dos gases fluorados em 2014, para eliminar progressivamente os HidroFluorCarbonetos (HFCs) pelo seu contributo para o efeito de estufa.
Os HidroFluorCarbonetos (HFCs) são uma família de produtos químicos sintéticos, centenas a milhares de vezes mais potentes que o dióxido de carbono (CO2) no seu potencial de aquecimento global, e habitualmente usados na refrigeração, nos ar condicionados, na proteção contra incêndio, nos aerossóis e nas espumas.
Os HFC começaram a ser usados como substitutos dos CFCs (CloroFluoroCarbonetos) e dos HCFCs (HidroCloroFluorCarbonos), responsáveis pela destruição da camada de ozono.
Comércio ilegal desenvolveu-se
Contudo, à medida que a quantidade de produto disponível se reduziu e os preços subiram, devido às quotas estabelecidas pela UE para os HFC, o comércio ilegal desenvolveu-se para responder à procura, com os HFCs não incluídos na quota a entrarem diretamente na UE vindos da China ou via Rússia, Ucrânia, Turquia e Albânia.
A chamada de atenção para esta situação é feita no novo relatório da Environmental Investigation Agency (EIA). O documento também coloca em causa Portugal, como salienta a associação ambientalista Zero, a qual colabora desde 2016 com a EIA, no acompanhamento da implementação do Regulamento dos Gases Fluorados a nível nacional.
Pensa-se que os principais pontos de entrada na UE e pontos de acesso ao comércio ilegal sejam a Bulgária, Croácia, Dinamarca, Grécia, Itália, Letónia, Polónia e Malta.
Com o lançamento do relatório “Doors Wide Open: Europe’s flourishing illegal trade in hydrofluorocarbons today” (“De portas abertas: o florescente comércio ilegal de hidrofluorcarbonetos na Europa”), a coordenadora das campanhas climáticas da EIA, Clare Perry adverte que “o corte no uso de HFC é uma das ferramentas mais eficazes para ajudar a prevenir as mudanças climáticas – mas o seu impacto pode ser significativamente prejudicado pelo comércio ilegal”.
Este relatório resulta da pesquisa mais abrangente do género sobre o comércio ilegal de HFC e documenta como já em 2016, e apesar do armazenamento de enormes quantidades de HFCs em 2014, começaram a surgir relatos de HFCs ilegais nos mercados europeus.
A EIA tem detetado, desde então, uma escalada no comércio ilegal de HFC, testemunhando-se em 2018 aquilo a que esta entidade apelida de “um dilúvio no uso e comércio ilegal de HFC em toda a UE”.
De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 6.º do Regulamento (UE) nº 517/2014, as empresas que fornecem gases fluorados com efeito de estufa, devem estabelecer registos das informações relevantes sobre os compradores dos mesmos, designadamente, os números dos certificados dos compradores e as quantidades de gases fluorados com efeito de estufa adquiridos, sendo esta obrigatoriedade aplicável a partir de 1 de janeiro de 2015.
Uma análise detalhada dos dados alfandegários de 2018 sugere que foram colocadas ilegalmente no mercado até 16,3 milhões de toneladas de CO2 equivalente (16,3 MtCO2e) de HFCs, o que representa um excesso de 16% sobre a quota.
Um grande número de países da UE registou um aumento significativo das importações de HFC em 2018, apesar do enorme corte de 37% no fornecimento de HFC, a que o regulamento obrigava.
Entradas nas alfândegas superiores
A EIA também comparou os dados alfandegários de 2017 com os valores reportados no âmbito do Regulamento relativo aos gases fluorados. Esses registos alfandegários indicam um adicional de 14,8 MtCO2e de HFCs colocados no mercado europeu em comparação com os dados reportados, o equivalente a 8,7% da quota de 2017. Discrepâncias significativas também existem entre os dados de exportação chineses e os dados de importação da Europa, o que poderá indicar declarações de importação fraudulentas.
Comparando as importações de HFC em 2016 e em 2018, verificou-se que Portugal foi um dos países onde as importações em 2018 mais que duplicaram em relação às importações de 2016, juntamente com a Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Irlanda, Letónia, Malta, Polónia, Roménia e Suécia.
Sophie Geoghegan, ativista climática da EIA, destaca o facto de existirem “várias e grandes discrepâncias entre os dados reportados à UE e os dados alfandegários. Os dados alfandegários de 2018 sugerem que o uso de HFC excedeu a quota em mais de 16% – ou seja, gases de efeito estufa equivalentes às emissões anuais de CO2 de mais de quatro centrais a carvão – e pedimos à Comissão Europeia e aos Estados Membros que examinem esta situação com urgência”.
No final de 2018, a EIA realizou dois inquéritos, um para avaliar os esforços dos Estados-Membros da UE para cumprir o Regulamento dos gases fluorados e o segundo para obter informações sobre o comércio ilegal diretamente junto das principais partes interessadas do setor. Mais de 80% das empresas inquiridas sabiam ou suspeitavam de comércio ilegal de HFC e 72% viram ou receberam propostas para adquirir refrigerantes em cilindros descartáveis ilegais.
Quer saber qual o potencial de aquecimento global dos vários gases?
O potencial de aquecimento global foi criado pelo Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) para comparar a capacidade de retenção de calor de diferentes gases com efeito estufa.
O termo de comparação é o potencial de aquecimento global do dióxido de carbono (CO2) definido como igual a 1.A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) disponibiliza aqui essa comparação. Só tem de selecionar o Gás com Efeito de Estufa e ver o resultado.
Clare Perry, elemento da EIA, acrescentou: “As portas da UE estão completamente abertas para o comércio ilegal de HFC em larga escala, impulsionado por lucros rápidos e baixo risco de medidas punitivas, bem como pela ausência de um sistema que permita aos funcionários aduaneiros determinar se uma importação de HFC é legal ou não. Um sistema de licenciamento em funcionamento é necessário com urgência e os Estados Membros precisam reforçar significativa e comprovadamente a fiscalização”.
Recomendações do relatório
As recomendações do relatório incluem:
• implementação de um sistema de licenciamento totalmente funcional que permita aos funcionários aduaneiros determinarem a legalidade das remessas de HFC;
• melhoria da monitorização do comércio de HFC com os países exportadores;
• revisão da proibição dos cilindros não recarregáveis para proibir o uso de todos os cilindros descartáveis;
• melhoria da transparência do sistema de quotas, publicando os nomes de novos operadores e os valores das quotas;
• estabelecimento de um sistema para comparar os dados reportados sob o Regulamento dos gases fluorados com os dados alfandegários, e analisar as discrepâncias.
Filipa Alves da associação Zero considera que “é fundamental tornar toda a informação associada ao mercado rapidamente disponível, ao nível dos atores de mercado, quotas atribuídas, do comércio efetuado e dos movimentos alfandegários, para que rapidamente se possam detetar discrepâncias no sistema e se averigue quais os casos que estão ilegais e se atue punitivamente nesses casos. Só uma efetiva implementação do Regulamento levará à redução da utilização destes gases altamente nocivos para o nosso clima, e cuja atuação é cada vez mais urgente”.