Apesar do Estado de Emergência ter oficialmente terminado, a situação de pandemia que vivemos impõe que as escolas permaneçam encerradas e as aulas sejam dadas à distância, recorrendo, assim, à tecnologia.

Nestes tempos também atribulados para as escolas, o Welectric foi entrevistar Patrick Götz, português nascido na Alemanha que, em 2018, lançou a Teckies para levar a robótica às escolas, aproximando as crianças da programação e modernizando o ensino.

O facto de ter trazido a tecnologia para o universo das salas de aula confere a Götz, cuja formação é em administração e gestão de empresas, uma visão privilegiada sobre a reação do meio escolar – alunos e professores – ao tumulto provocado pelo coronavírus SARS-COV-2 e pela doença COVID-19.

“Apanhados de surpresa”

“Fomos todos apanhados um pouco de surpresa. A tecnologia para fazer este género de aulas remotamente já existia, como se sabe. O que faltava – e isso esta pandemia trouxe essa evidência – era preparação, maior ou menor, para a utilização dessas tecnologias”, refere este luso-germânico.

“O ensino tradicional descurou essa preparação?” questionamos. Patrick responde: “Talvez seja um pouco forte a palavra descurar, mas algo não foi feito, considerando a idade de alguns professores e do facto de outros não terem apetência para o uso de tecnologia, eventualmente até porque também nunca tiveram essa necessidade. Numa situação como a que tivemos em que é fulcral saber trabalhar com a tecnologia, esse desafio pode tornar-se um pouco mais complicado”.

Alunos mais à frente de professores?

Mediante essa avaliação, estão os alunos mais preparados do que professores para este tipo de desafio? “A preparação é diferente. Há um ‘gap’ de competências entre ambos. Os professores estão pedagogicamente preparados para fazer ensino tradicional. Por seu lado, os alunos sabem consumir tecnologia durante horas sem fim, mas têm dificuldade em produzir alguma coisa com essa tecnologia, ou seja, em resolver problemas com base nessa tecnologia”.

Este gestor dá o exemplo do que tem verificado quando os professores enviam uma ficha para o aluno fazer em casa: “Em vez de estudarem em primeiro a matéria para poderem responder bem a ficha, os alunos começam logo a responder e entregam; se está certo é menos importante. Estudo autónomo e o saber resolver são capacidades que os alunos ainda não têm bem consolidado”.

Para Patrick Götz, há, pois, uma lacuna em ambos os lados do ensino, quer de quem aprende, quer de quem ensina: “Os alunos denotam falhas numa questão de capacidades de estudo autónomo e os professores evidenciam lacunas numa vertente de como utilizar as tecnologias, neste caso, nas salas de aula remotas”.

Patrick Götz fundou a Teckies uma startup empenhada em levar robots e programação às escolas para as crianças se prepararem para as novas profissões digitais.

Pandemia tornou patente grandes discrepâncias sociais e económicas

No plano escolar, esta crise trouxe a nu, igualmente, as discrepâncias económicas e sociais dos alunos portugueses pela sua díspar capacidade de continuar a acompanhar aquilo que seria o normal lecionar das matérias no que falta do ano letivo

Os alunos que têm acesso à Internet podem aceder a conteúdos online e, em muitos casos até, a ter aulas via “zoom”; os que não têm net ficam prejudicados na aprendizagem, dispondo da Tele-Escola como apoio.

“Isso é uma das lições a tirar desta situação toda: estarmos no Século XXI e há ainda uma quantidade enorme de alunos ou mesmo de escolas que não têm possibilidade de fazer aulas online”, lamenta Götz para quem os tecno-excluídos serão os grandes prejudicados deste momento que atravessamos.

O gestor subscreve, por isso, a opinião dos analistas que têm considerado que no final deste terceiro período “não estaremos propriamente a avaliar os conhecimentos, mas a capacidade financeira de um aluno. Dessa lição que esta situação nos está a dar, alguma coisa terá de ser feita”.

Nascido na Alemanha e com experiências de trabalho em Espanha e Itália, Götz afirma que “a Europa do sul está muito virada para o ensino tradicional e pouco suportada em tecnologia, enquanto nos países da Europa do Norte os próprios modelos já funcionam muito à base de trabalhos, além de que possuem outras infraestruturas e tecnologias nas escolas”.

Para Patrick Götz terá de se investir na formação dos professores para utilizarem estas tecnologias e para ajustarem as próprias práticas ao ensino pedagógico.

Trabalhar à base de projetos

“Vai ter de se trabalhar muito à base de projetos, de estudo autónomo, de resolução de problemas e de pensamento crítico. Este é o género de competências que vão ter de se trabalhar mais. Esta crise é uma oportunidade que se pode ganhar para isso”, sublinha Götz.

“Na Teckies defendemos que as escolas deviam estar muito mais interessadas em desenvolver ‘skills’ [capacidades ou aptidões, numa tradução livre, n.d.r.] e competências nos alunos, do que estar a debitar matéria e conhecimento. O conhecimento está na palma das mãos. Os professores ainda continuam muito a tentar ensinar aos alunos coisas que eles, através da internet, acedem e podem descobrir”, refere este gestor.

Patrick Götz reitera: “Isto é uma situação que esta crise pode ajudar a desbloquear: dar métodos diferentes de ensino e ajudar os alunos a estudar sozinhos e a resolver problemas”.

        • Tecnologia: unir pessoas e servir a comunidade

          Para Patrick Götz, este período de pandemia mostrou a importância da tecnologia a unir as pessoas (através da comunicação à distância) e a servir a comunidade. “Talvez nunca se tenha pensado em utilizar impressoras 3D para as finalidades que acabaram por ter, como a construção de viseiras de proteção individual. A impressão 3D que é uma tecnologia que foi vista, durante muito tempo como um gadget e um brinquedo, surgiu para resolver um problema”.

Este gestor dá um exemplo prático: “Aos alunos podem ser atribuídos projetos para realizar, dentro de um prazo. Esse projeto visa resolver um determinado problema, tendo os alunos que reportar às segundas, quartas e sextas-feiras em que fase do seu projeto estão. Resolvem as questões sozinhos e assimilam os conteúdos desejados pelo professor pois têm de estudar”.

Para Patrick Götz, “é uma forma diferente de fazer ensino que, porventura, numa sala de aula e presencialmente é menos propensa. Contudo, desta forma, à distância, consegue fazer-se este género de projetos. O confinamento pode suscitar essa oportunidade para se dar esse salto”.

E de que forma é que a tecnologia e a robótica podem entrar no ensino e serem integradas no plano curricular? “As crianças e jovens gostam muito de robótica e tecnologia. Dou o exemplo de geografia e de algo que fiz uma vez com uma turma. Consistia num projeto em que os alunos construíram um mapa mundi em tamanho grande, tendo construído uma grelha, numa espécie de paralelos e meridianos. Depois, a ideia era programar pequenos robots de maneira a que, guiados pela grelha que tinha sido elaborada, fossem capazes de chegar aos diferentes países que se pretendia. Os alunos estavam de tablet na mão a aprender a programar – embora não fosse programação muito complicada, dado que a programação era feita por blocos – ao mesmo tempo que aprendiam geografia e a localização dos países e cidades, pensando por eles próprios”.

  • Tecnologia ajuda a um envelhecimento ativo

    Para além de motivar os mais novos a relacionarem-se de forma criativa e construtiva com a tecnologia, a Teckies tem outro projeto destinado à camada mais idosa da população. A Teckies4All visa promover uma aproximação da terceira idade às novas tecnologias, através de workshops e sessões de formação. Patrick Götz defende a pertinência desta formação porque a esperança média de vida está a aumentar e igualmente porque os mais idosos “foram os primeiros a ficar isolados nesta crise”. Vida+ é o nome do projeto da Teckies para promover o envelhecimento ativo da camada sénior. De acordo com Götz, quando as condições de contexto de pandemia permitirem, a ideia é realizar estes workshops presencialmente, nas instalações dos próprios lares e centros de dia. Para os mais velhos, com a robótica e a tecnologia consegue-se estimular a aprendizagem de novos conhecimentos e o raciocínio, além da parte social, dado que as sessões serão realizadas em grupo. Outra vertente da Teckies4All é potenciar o “re-skilling” nos adultos em idade ativa, acima de 50 anos, para que voltem a adquirir competências técnicas e digitais.

Patrick Götz refere que a robótica pode igualmente ser inserida em projetos de outras disciplinas, como ciências ou português: “Os alunos gostam de máquinas e de brincar com robots. Assim, aprendem fazendo. Tendo alguma coisa que os atrai isso consegue-se mais facilmente”.

Patrick Götz acredita, por isso, que “nada vai ficar como dantes também no ensino. Pelo menos, não pode ficar na mesma. Se aprendermos as lições corretas, este período que vivemos pode constituir uma boa aprendizagem até porque, infelizmente, esta talvez possa não vir a ser a última pandemia”.

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