Num contexto em que mais de 85% da pegada de carbono dos aparelhos eletrónicos, caso dos telemóveis, é causada pelo próprio fabrico, os temas da reciclagem e, especialmente, do prolongamento da vida útil deste género de dispositivos ganha muita importância.
Nesse sentido, o mercado de smartphones recondicionados apresenta-se como uma solução alternativa ao contribuir e apelar a uma economia circular deste tipo de aparelhos.
Sami Marttinen: perfil de um jovem empresário
Co-fundador e CEO da Swappie, Sami Marttinen (29 anos) estudou na Aalto University, uma escola de negócios de referências da Finlândia. Desde os 15 anos que começou a trabalhar nos verões escolares, tendo depois passado por várias fábricas e administrado uma empresa de construção durante 9 anos. É ainda co-fundador do Viking Shave Club, uma jovem empresa com um modelo de negócio original de venda de giletes de barbear. Quando não está a trabalhar no futuro da economia circular, Sami gosta de passar um tempo na floresta finlandesa.
Startups como a Swappie, um marketplace de referência no norte da Europa, de compra e vendas de iPhones de alta qualidade e a preços mais acessíveis chegou agora a Portugal, surgem com o propósito de consciencializar a sociedade para a importância da reciclagem destes produtos e tornar a prática da compra de um smartphone em segunda mão tão comum quanto adquirir um automóvel usado.
Com o apoio da agência The Square, o Welectric falou com Sami Marttinen, fundador da Swappie, para abordar a questão da sustentabilidade dos aparelhos eletrónicos, numa conversa que gravitou à volta da cultura do descartável nos equipamentos eletrónicos e dos contornos deste negócio que chegou ao mercado português.
A Swappie nasceu em 2016, na Finlândia. Qual foi o motivo que os levou a avançar para este negócio?
A ideia de criar a Swappie nasceu fruto de uma má experiência minha. Em 2016, decidi comprar um telemóvel em segunda-mão e acabei por ser alvo de uma fraude. Nesse momento, apercebi-me que não existiam ofertas que conferissem segurança aos consumidores e que isso era um grande entrave para que optassem por aparelhos recondicionados. Assim, nasceu a ideia de criar a Swappie, uma opção segura e de confiança para comprar smartphones, neste caso iPhones, recondicionados.
A startup finlandesa fechou recentemente uma ronda de investimento de Série B de 35,8 milhões de euros (40,6 milhões de dólares) com o objetivo de se expandir para novos mercados na Europa, incluindo Portugal, Irlanda, Alemanha e Holanda.
O total arrecadado em financiamentos até à data e desde que a empresa foi fundada em 2016 é de 42,7 milhões de euros (48 milhões de dólares).
A Swappie opera em Portugal desde o início do mês de junho.
A presença da Swappie é global, considerando que está presente no canal online? Ou, não sendo global, quais os mercados onde atua?
Apesar de estarmos presente no canal online, a nossa presença não é, por enquanto, global, pois prezamos muito o atendimento ao cliente e, por isso, não disponibilizamos a operação em mercados onde ainda não temos logística e suporte ao cliente assegurados. Nascemos na Finlândia e em pouco tempo tornámo-nos no marketplace líder no norte da Europa, com presença na Suécia e Dinamarca. Além dos países nórdicos, há mais de um ano que expandimos para Itália, onde já somos o principal player do mercado e, neste verão, estamos a expandir-nos para Portugal, Alemanha, Irlanda e Holanda.
Qual o volume de aparelhos que recondicionam para voltarem a entrar no mercado, numa segunda vida?
Atualmente, na Europa, cerca de 10% do mercado de smartphones são vendidos como usados/recondicionados, o que representa um mercado de 10 mil milhões de euros. É difícil estimar um número de aparelhos recondicionados, pois a maioria desses aparelhos são vendidos como usados, sem serem realmente recondicionados. É nesse sentido que a Swappie representa uma exceção à regra, na medida em que recondicionamos todos os telemóveis na nossa fábrica, em Helsínquia, de modo a que funcionem como um novo.
De que forma é que o mercado de aparelhos recondicionados pode contribuir para um consumo mais sustentável?
Tendo em conta que entre 85% a 90% da pegada ecológica de um iPhone 11, por exemplo, resulta do processo de produção, segundo dados da própria marca, o mercado de aparelhos recondicionados surge como uma opção de consumo mais sustentável. Ao optarmos por um telemóvel recondicionado, estamos a evitar a emissão de CO2 para o ambiente e a prevenir que resíduos eletrónicos prejudiciais acabem na natureza.
Têm alguma ideia, baseada na vossa experiência, de quantos aparelhos novos poderiam evitar serem adquiridos, caso se optasse mais vezes por produtos recondicionados?
Apesar de não termos dados exatos que representem o número de aparelhos novos que poderiam ser evitados de ser adquiridos caso se optasse por recondicionados, sabemos que a maioria dos nossos clientes está a comprar um telemóvel recondicionado pela primeira vez e que, mais do que a experiência de comprar um telemóvel novo, procuram uma experiência segura e de confiança, uma solução a preços acessíveis e eco-friendly.
Quem compra e quem vende os iPhones à Swappie?
A Swappie adquire os telefones usados a consumidores e empresas.
Alguém que pretenda vender-vos um iPhone contacta-vos de que forma?
Quem tiver a intenção de vender o seu iPhone à Swappie, basta ir ao nosso site e selecionar o separador que diz “Vende”, onde vai encontrar de seguida um formulário de venda que, depois de preenchido, dá de imediato uma estimativa do valor do aparelho. Depois, a pessoa deve enviar-nos o aparelho, sendo que pagamos os custos do envio, para que os nossos técnicos possam avaliar as condições do telemóvel. Depois de avaliados todos os pormenores, o pagamento é feito ao vendedor por transferência bancária.Qual o perfil de cliente que vos vende os smartphones?
Na verdade, não há um tipo de perfil que se destaque nos clientes que nos procuram para vender os seus aparelhos. Diria que, desde os mais novos aos mais velhos, todas as pessoas encontram na Swappie uma solução win-win, onde podem reciclar os seus aparelhos e, simultaneamente, ganhar algum dinheiro.E qual o perfil de cliente que vos procura para adquirir os vossos iPhones?
À semelhança dos clientes que nos procuram para vender os seus aparelhos, também não encontramos um perfil de cliente em quem nos procura para adquirir os smartphones. Apesar de existir a conceção de que este tipo de soluções é mais atrativo para jovens adultos, a distribuição de idades, bem como de género, é homogénea. A combinação entre os preços acessíveis, a máxima qualidade dos aparelhos e o facto de ser uma solução sustentável acaba por atrair todo o tipo de clientes.
Em termos de evolução da procura: nota-se uma apetência por parte das pessoas para a aquisição de equipamentos Apple recondicionados? Ou, pelo contrário, as pessoas são relutantes a optar por um smartphone em segunda mão?
De um modo geral, a procura por produtos recondicionados tem aumentado consideravelmente. De acordo com a pesquisa Worldwide Used Smartphone Forecast, desde 2016 até este ano, a previsão seria a de que o mercado de smartphones recondicionados iria crescer até 222,6 milhões de dólares, representando um crescimento anual composto de 22,3%. Em Portugal, e apesar de não existirem estudos sobre o mercado nacional, as estatísticas apontam para um crescimento acelerado da aquisição de produtos recondicionados em alternativa aos novos, e acreditamos que no futuro esta será uma prática tão comum quanto comprar um carro em segunda-mão, por exemplo.
Baseado na vossa experiência, a sensibilidade para a aquisição de produtos recondicionados como uma alternativa à compra de produtos eletrónicos novos tem como motivo principal o preço (o serem mais baratos) ou a preocupação ambiental?
Por norma, o que, habitualmente, pesa mais na decisão de comprar um aparelho recondicionado é a relação qualidade-preço. O facto de existirem opções de grande qualidade a preços mais reduzidos acaba por atrair os consumidores. Ainda assim, é de ressalvar que cada vez mais há uma preocupação maior em optar por produtos mais sustentáveis, que tenham menor impacto ambiental e essa tendência também se reflete na procura por aparelhos eletrónicos em segunda-mão. Em Portugal, e apesar de não termos estudos que sustentem a maior adesão a aparelhos recondicionados, a sustentabilidade do planeta é uma preocupação que está bem presente na sociedade e, cada vez mais, as pessoas procuram contribuir para uma economia mais circular e combater desperdícios e produção em massa de qualquer tipo.
Qual a percentagem de aparelhos que vos chega às mãos já sem possibilidade de voltarem a ter nova vida? Ou todos os aparelhos são aproveitados?
Como detemos toda a cadeia de valor e todo o processo de recondicionamento, mesmo os telemóveis que não têm possibilidade de ter uma nova vida podem ser aproveitados, ao serem desconstruídos em peças separadas.
O recondicionamento implica uma redução do preço, em média, de que ordem?
Dependendo das condições do telemóvel, temos reduções de preço que se traduzem numa poupança de até 40%.
O recondicionamento que efetuam garante o prolongamento da vida do aparelho por mais quanto tempo? Ou, dito de outra forma, qual é a garantia que os vossos equipamentos possuem?
Ao efetuarmos todos os processos padronizados de teste e reforma, podemos oferecer aos telemóveis recondicionados uma vida semelhante à de um aparelho novo e com garantia de 24 meses. Portanto, todos os nossos aparelhos vendidos em Portugal têm garantia de 24 meses.
Qual a expressão que acreditam que este negócio de smartphones em segunda mão pode adquirir?
Quer a nível geral, quer no caso particular de Portugal, acreditamos que o negócio de smartphones em segunda-mão tem vindo a ganhar espaço no mercado e que, dada a preocupação emergente com a sustentabilidade e com um consumo mais consciente, pode vir a ser a primeira opção dos consumidores no futuro. Na Europa, o mercado de smartphones é de 100 mil milhões de euros, sendo que os telefones recondicionados representam apenas 10 mil milhões de euros. Tendo em conta que apenas 25% dos telefones usados atualmente são vendidos, existe um enorme potencial para o mercado de smartphones em segunda-mão crescer.
Qual é a vossa expectativa de evolução do negócio, quer a nível geral, quer em termos de Portugal?
Desde que nos lançámos em 2016 que temos tido um crescimento muito rápido e o nosso objetivo é o de continuar a crescer. Este verão estamos a expandir para o centro e sul da Europa e, de forma gradual, queremos chegar a mais países e operar em mais mercados. Em Portugal, temos a ambição de consciencializar os consumidores para o consumo sustentável de equipamentos eletrónicos, conseguir com que a compra de smartphones recondicionados se torne numa prática comum e sermos o marketplace de iPhones recondicionados de referência no país.
Qual a razão pela qual trabalham apenas com iPhones? Pensam evoluir o vosso negócio para outros produtos Apple? Ou para outras marcas de smartphones?
Desde o lançamento da Swappie que nos focamos nos iPhones, pois isso permite-nos controlar a cadeia de valor e oferecer produtos com melhor qualidade a melhores preços. Construímos uma fábrica própria, onde cada equipamento passa por um processo exaustivo de 52 passos. É este processo que nos permite oferecer aos consumidores uma garantia de 24 meses e, por isso, de momento, vamos manter-nos focados neste produto.
Onde é que fazem o recondicionamento dos smartphones? Cada mercado local tem uma oficina? Ou têm tudo centralizado na Finlândia?
Todo o recondicionamento dos smartphones é feito na nossa própria fábrica, sediada em Helsínquia. Todos os aparelhos são reparados com recurso a alta tecnologia, até ao mais ínfimo pormenor, e enviados depois para o cliente.
Quais os componentes dos telefones que se revelam menos aptos a serem recondicionados?
Todas as peças que não afetem a condição funcional dos aparelhos são menos prováveis de serem recondicionadas. Não faria sentido, por exemplo, trocar as capas e molduras dos iPhones por causa de pequenos riscos e não reparar o aparelho no que diz respeito ao seu sistema operativo.
Conseguem um aproveitamento das baterias em que ordem de grandeza, considerando os iPhones que vos chegam às mãos?
Ter apenas em atenção as percentagens das baterias não é suficiente e é por isso que os ciclos e as idades são também avaliadas. Sempre que as percentagens ou ciclos caem para níveis em que o aparelho não funciona como novo, trocamos as baterias. Para que a bateria possa ser aproveitada tem de garantir um nível de capacidade que permita o perfeito funcionamento do aparelho.
Como é que garantem que a bateria não está viciada? Usam baterias novas, nalguns casos?
Todas as baterias têm a sua capacidade testada e avaliada segundo um processo exaustivo e minucioso, pelo qual nos guiamos, de modo a garantir que estão em perfeito estado. Sempre que a bateria não funcionar como uma bateria praticamente nova, que é sempre o nosso objetivo, instalamos baterias novas nos telemóveis, de modo a garantir que funcionam na perfeição.
As baterias que não são aproveitadas são recicladas?
Sim! Tudo aquilo que não conseguimos aproveitar, reciclamos.
Quando recondicionam um smartphone, recorrem a peças novas?
Sempre que faça sentido substituir algumas das peças para garantir o perfeito funcionamento do aparelho, recorremos a peças novas.
Cultura do descartável constitui um problema sério na sociedade atual
O que poderia ser feito para reverter a cultura do descartável nos equipamentos eletrónicos?
A cultura do descartável nos equipamentos eletrónicos constitui um problema sério na sociedade atual, tendo em conta que o lixo eletrónico continua a crescer e que aumentou 21% no espaço de 5 anos, segundo dados avançados pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). Este aumento é reflexo de um consumo de equipamentos eletrónicos cada vez maior, de curtos ciclos de vida dos aparelhos e das poucas opções de reparações que existem para a dimensão do mercado. Nesse sentido, para reverter esta situação há que, acima de tudo, educar e consciencializar para o impacto que o nosso consumo eletrónico pode ter no ambiente. É importante educar para uma correta reciclagem destes materiais e conseguir ganhar cada vez mais a confiança dos consumidores para as opções de marketplaces de equipamentos em segunda-mão. Precisamos de garantir que a opção de compra de um smartphone recondicionado é tão boa ou melhor que optar por comprar um novo, ao oferecer uma solução que seja fácil, rápida, segura e de confiança, e que proporcione uma boa experiência ao cliente. É que isso que procuramos oferecer na Swappie e acreditamos que este é o caminho certo para conseguir fazer chegar estas mensagens aos consumidores.