“Uma epidemia abala o mundo – mas os rios ainda correm para o mar (e agora levam máscaras)” é o nome do manifesto subscrito por cerca de duas dezenas de organizações e movimentos nacionais – e algumas pessoas a título individual -,  criado com o propósito de alertar a sociedade para os principais problemas ambientais que envolvem os rios e os ecossistemas em todo o mundo.

“Com a surpreendente pandemia que rapidamente se espalhou à escala de um mundo globalizado e interdependente, tornou-se evidente o que alguns já vinham anunciando há décadas:  a saúde é uma só e num planeta doente não pode haver humanidade saudável”, pode ler-se na carta divulgada no website da Rede Inducar, uma das organizações subscritoras, que tem trabalhado as questões da participação pública e da democracia da água na Bacia Hidrográfica do Douro no âmbito da Rede Douro Vivo.

“Sendo parceiras em ações de análise, observação e intervenção para conhecimento e defesa de rios, a associação Campo Aberto e a Rede Inducar decidiram propor conjuntamente aos cidadãos uma série de princípios e objetivos para uma melhor e mais decidida salvaguarda dos nossos ecossistemas fluviais”, explica José Carlos Marques, presidente da Campo Aberto.

“O facto de a atual pandemia ter mostrado com mais força até que ponto a saúde humana e a saúde dos ecossistemas, inclusive dos rios, estão interligadas e são interdependentes, motivou-nos nesta diligência, dirigida primeiramente a associações e outros coletivos e entidades, e através deles a todos os cidadãos”, conclui.

Intolerável qualquer tipo de poluição

“Uma sociedade só é saudável quando são saudáveis o ar, a água, os solos, as plantas, cultivadas ou espontâneas, e os animais, domesticados ou livres. É tempo para que todos aprendamos a respeitar os rios, a admirar mais os rios livres que os rios ‘acorrentados’, a ver como intolerável qualquer tipo de poluição, ainda que a pretexto de uma (má) economia ou de um (mau) desenvolvimento”, aponta o manifesto.

Para ler e subscrever o Manifesto, aceda a este link.

Os subscritores convidam as autoridades, a sociedade civil e cada pessoa a:

  • Tomar como inspiração a prova evidente, dada pelo confinamento decretado para proteger a saúde humana, de que a causa da poluição generalizada do ambiente – e em particular dos rios e massas de água – está na (má) economia e no (mau) desenvolvimento, e que o regresso à atividade das populações deve ser feito de acordo com uma economia diferente, sob pena de repor e mesmo agravar a «doença planetária»;

  • Decidir que a retoma da economia deverá ser ou tornar-se modelar, demonstrando que é possível pôr em prática um outro modelo social e económico assente na sustentabilidade, no respeito pela natureza, na regeneração e na perenidade ambiental e socioeconómica;

  • Reconhecer que sem ecossistemas saudáveis não pode haver humanidade saudável, sendo que o meio aquático, o mais ameaçado de todos, se encontra na base da saúde planetária; cuidar deles, regenerá-los, preservá-los, é uma exigência de responsabilidade perante as gerações futuras;

  • Procurar novos modelos respeitadores da biodiversidade ligada aos rios e zonas húmidas ao nível da produção agrícola, com menor consumo de água e capazes de evitar a erosão; do planeamento urbano, promovendo uma urbanização fora dos terrenos inundáveis; da produção de eletricidade, combatendo a degradação dos ecossistemas aquáticos causada pela produção hidroelétrica, e em geral que diminuam a extração de água e aumentem a sua reutilização;

  • Impulsionar a celebração da Década das Nações Unidas para a Regeneração dos Ecossistemas 2021-2030 por decisão da Assembleia Geral da ONU;

  • Colocar a água no centro das opções e práticas económicas e do emprego uma vez que, segundo a Organização Mundial de Saúde, 3 em cada 4 empregos dependem da água;

  • Reforçar a atenção aos nossos rios, ribeiros e outras linhas de água, bem como massas de água paradas ou temporárias, como lagoas, albufeiras e charcos;

  • Propor a criação de um corpo de profissionais a tempo inteiro, com formação adequada para exercer funções de vigilância, informação e fiscalização eficazes em defesa das linhas e massas de água, ou destacar e formar para esse fim parte dos efetivos de vigilantes da natureza, desde que adequadamente reforçado;

  • Valorizar e respeitar os nossos últimos rios ou trechos de rios livres, incentivando e colaborando com programas de recuperação e privilegiando abordagens de engenharia natural. Equacionar, nos casos em que barragens existentes atinjam o seu tempo de vida útil, a renaturalização ribeirinha em vez da reconstrução de infraestruturas;

  • Rejeitar as práticas de destruição ou mutilação de galerias ribeirinhas onde se refugia quase sempre uma vegetação abundante e diversa de grande valor natural, parte de um ecossistema rico em biodiversidade;

  • Tendo em conta que muitos dos ecossistemas ribeirinhos estão hoje invadidos por espécies exóticas de proliferação rápida e nefasta (invasoras), incentivar a recuperação das espécies autóctones, dentro e fora de água, bem como da sua envolvente;

  • Acompanhar atentamente e promover a boa gestão das concessões de pesca em trechos de rios, por forma a evitar a sobre-exploração e outras práticas nefastas;

  • Incentivar as entidades responsáveis à abertura e renaturalização dos trechos de rios entubados, dentro da medida do possível, a curto, médio ou longo prazo, consoante cada situação, inscrevendo tal objetivo nas políticas de ordenamento do território e nos instrumentos de gestão territorial;

  • Ter consciência que muitos dos problemas de erosão costeira, sentidos no litoral, se devem a opções erradas nos rios e ribeiras;

  • Incentivar uma nova atitude humana de presença nos territórios, a que uma bacia hidrográfica confere uma certa unidade e identidade específicas, a partir de uma economia local assente nos valores ecológicos e na qualidade de vida, no cuidado posto na conservação e não na destruição da natureza;

  • Sensibilizar os vários públicos e a comunidade em geral, através da ação das diferentes pessoas e entidades, para as questões atrás referidas, sempre que viável com a colaboração das escolas e dos educadores, e propondo uma atenção crítica aos conteúdos e programas escolares com incidência na ética e na educação ambiental aplicadas aos valores naturais desses territórios e à forma como são utilizados;

  • Reforçar a democracia da água, aprofundando a articulação e o envolvimento de pessoas e organizações da sociedade civil, numa efetiva participação em processos de gestão integrada de bacias hidrográficas.

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