João Canning Clode
João Canning Clode
Investigador e coordenador do pólo da Madeira do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente

Este aparecimento de grandes quantidades de Equipamentos de Proteção Individual (e de outros plásticos descartáveis) pode indicar que a sua utilização massiva decorrente da atual situação pandémica ​​pode transformar-se numa das principais fontes de poluição por plásticos no meio marinho e, potencialmente, promover um aumento da presença de lixo marinho nos oceanos durante os próximos anos

Possíveis impactos de uma pandemia global na poluição de lixo marinho

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O polo da Madeira do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente é o mais jovem desta instituição de investigação nacional. Este polo, que é acolhido localmente pela Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação – ARDITI, tem atualmente vários projetos em curso nos mais diversos campos de investigação, tais como, ecologia costeira, processos de invasão biológica marinha, mapeamento de habitats, lixo marinho, ecologia e conservação de mamíferos marinhos, pescas, alterações climáticas e impactos de pressões antropogénicas em ecossistemas costeiros.

Nos últimos anos em particular, o polo do MARE na Madeira tem-se destacado na investigação relacionada com o lixo marinho em todo o arquipélago, fruto do seu envolvimento numa série de projetos europeus focados nesta temática. Exemplo disso, é a descoberta no ano passado de crostas de plástico (“plasticrusts”) em rochas do intertidal na costa sul da ilha da Madeira, que teve cobertura mediática internacional (com referência na CNN, Le Monde, Forbes, SkyNews, entre muitos outros).

O lixo marinho presente nos nossos oceanos, constituído maioritariamente por plástico, é atualmente reconhecido como uma das formas de poluição mais problemáticas e relevantes em todo o planeta. Este problema representa diversas ameaças para a vida marinha, com a recorrência de exemplos chocantes oriundos de todo o mundo, desde imagens de tartarugas ou golfinhos presos em emaranhados de redes de pesca a notícias a retratar cadáveres de aves ou baleias repletos de materiais plásticos no seu aparelho digestivo.

Na realidade, apesar de algumas hipóteses de sobrevivência, hoje sabemos que muitos animais marinhos acabam por morrer com complicações graves, devido à ingestão, emaranhamento ou asfixia em vários tipos de lixo plástico.  

Uma das maiores fontes de lixo marinho é a utilização desmedida de plásticos de utilização única (em inglês single use plastics). Nos últimos anos, reconhecendo como estes materiais descartáveis têm vindo a contribuir para o problema e a agravar os impactes de lixo no meio marinho, vários países, incluindo Portugal, organizações internacionais (como a União Europeia) e convenções internacionais (como a OSPAR), têm tentado desenvolver políticas no sentido de reduzir ou até banir a utilização deste tipo de produtos de utilização única e plásticos descartáveis.

Medidas de proteção potenciaram o lixo marinho

Como é do conhecimento de todos, no final de 2019 surgiram notícias na China de um surto de um novo coronavírus, que rapidamente se transformou numa pandemia global, resultando em milhões de casos de infeções e milhares de mortos mundialmente. Este surto mundial de COVID-19 constitui-se assim como uma das primeiras pandemias de uma doença altamente contagiosa, numa era em que a deslocação de pessoas é cada vez mais fácil e onde os plásticos, sobretudo os descartáveis, são amplamente e globalmente utilizados e, infelizmente, têm frequentemente como destino final os mares e oceanos.

Acompanhando as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e as notícias que iam surgindo sobre o descarte de máscaras e outros tipos de proteção pessoal, uma equipa de investigadores do polo do MARE na Madeira, juntamente com um biólogo do Governo Regional da Madeira, soaram o alarme num artigo de opinião publicado no passado mês de agosto na prestigiada revista científica Frontiers in Marine Science.

Neste artigo, os autores descrevem que as entidades de saúde de muitos países, numa tentativa de conter a propagação e tratar o novo vírus COVID-19, recomendaram a utilização em massa de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como máscaras, luvas ou viseiras. Ao mesmo tempo, muitos governos também recomendaram a utilização de plásticos descartáveis (ex. sacos, copos, talheres) em restaurantes e outros negócios como medida de segurança. Como consequência destas medidas, os autores do estudo constataram um aumento no número de notícias, difundidas em vários meios de comunicação social em todo o mundo, relatando a presença de inúmeras máscaras, luvas, viseiras e outros itens de EPI encontrados em praias, zonas costeiras e rios.

Este aparecimento de grandes quantidades de EPI, e de outros plásticos descartáveis, pode indicar que a sua utilização massiva decorrente da atual situação pandémica ​​pode transformar-se numa das principais fontes de poluição por plásticos no meio marinho e, potencialmente, promover um aumento da presença de lixo marinho nos oceanos durante os próximos anos.

Esta equipa de investigadores do MARE termina o artigo de opinião com algumas recomendações. Por um lado, considera que as organizações internacionais, convenções regionais e governos nacionais devem reforçar e avançar com novas soluções ambientais e de reciclagem deste tipo de materiais. Para além disso, os programas de monitorização de lixo marinho dos vários países e organizações internacionais devem incluir categorias específicas para itens de EPI, a fim de identificar adequadamente as fontes de lixo e tentar perceber melhor a magnitude deste problema.

Os créditos da foto são da Self Image

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