Desde 1990, as reduções de emissões de gases de efeito de estufa verificadas na União Europeia a 27 (UE excluindo o Reino Unido) resultaram de uma queda nas emissões entre os cidadãos europeus com rendimentos médios e baixos, enquanto as emissões dos 10% mais ricos cresceram.
A Oxfam é um movimento global de pessoas que lutam contra a desigualdade para acabar com a pobreza e a injustiça. Trabalham em cerca de 70 países em várias regiões do globo, com milhares de parceiros e aliados, apoiando comunidades para construírem uma vida melhor para si mesmas, aumentar a resiliência e proteger vidas e meios de subsistência também em tempos de crise. A Oxfam é uma confederação de 20 organizações afiliadas, espalhadas um pouco por todo o mundo.
A associação Zero e a Oxfam são parceiras num projeto de capacitação da população para lutarem contra as Alterações Climáticas, coordenado pela Oxfam Novib, no âmbito da linha de financiamento DEAR – Development Education and Awareness Raising Programme da Comissão Europeia.
O Instituto Ambiental de Estocolmo (Stockholm Environment Institute) é uma organização internacional sem fins lucrativos de pesquisa e política que lida com os desafios do meio ambiente e do desenvolvimento.
As conclusões constam de um relatório da Oxfam sobre a desigualdade carbónica na Europa reveladas pela associação Zero.
Emissões e rendimentos
“O relatório mostra que é fundamental combater a desigualdade carbónica para cumprir a nova meta climática da UE para 2030, que será discutida pelos seus líderes no final desta semana, e para uma recuperação económica rápida, justa e sustentável da pandemia da COVID-19”, salienta a Zero.
O relatório baseia-se num trabalho de investigação pelo Stockholm Environment Institute sobre as emissões associadas ao consumo de grupos com diferentes rendimentos entre 1990 e 2015.
Durante este período de 25 anos, em que as respetivas emissões na UE caíram 12% e as desigualdades económicas aumentaram, este estudo evidencia que:
- Os 10% dos cidadãos mais ricos foram responsáveis por mais de um quarto (27%) das emissões – o mesmo que a totalidade da metade mais pobre da população da UE. Os 40% dos europeus com um rendimento intermédio foram responsáveis por 46% das emissões, e os 1% mais ricos por 7%.
- A metade mais pobre dos europeus reduziu as suas emissões em quase um quarto (24%), e os cidadãos com rendimentos intermédios conseguiu uma redução de 13%. Em contraste, os 10% mais ricos aumentaram as suas emissões em 3%, e os 1% mais ricos em 5%.
- Para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, a pegada de carbono dos 10% mais ricos deve reduzir-se dez vezes até 2030, e a dos 1% mais ricos 30 vezes. Em contraste, a pegada dos 50% mais pobres deve baixar para metade.
O 1% dos europeus mais ricos – um subconjunto dos 10% mais ricos – tem um rendimento anual acima de 89.000€ por ano (em 2015); os 10% mais ricos têm um rendimento acima de 41.000€ por ano; os 40% do meio têm um rendimento entre 20.000€ e 40.999€ por ano; e a metade mais pobre dos europeus um rendimento até 19.999€ por ano.
Os 10% dos cidadãos mais ricos na UE foram responsáveis por mais de um quarto (27%) das emissões entre 1990 e 2015.
O relatório mostra que “as reduções nas emissões têm sido conseguidas à custa dos mais pobres, enquanto os mais ricos não contribuem com a sua quota-parte. A desigualdade carbónica poderá mesmo inviabilizar o alcance das metas climáticas na Europa e, portanto, o combate à desigualdade é fulcral”, denunciam os ambientalistas.
O estudo exibe ainda uma grande desigualdade carbónica dentro dos Estados Membros, bem como entre eles. Os 10% mais ricos na Alemanha, Itália, França e Espanha (aproximadamente 25,8 milhões de cidadãos) são coletivamente responsáveis pela mesma quantidade de emissões que toda a população de 16 Estados Membros da UE (aproximadamente 84,8 milhões de cidadãos).
Desde 1990 as emissões dos transportes aumentaram significativamente em quase todos os Estados Membros da UE, representando cerca de um quarto de todas as emissões do bloco. Em parte, isto deve-se ao crescimento nas vendas de veículos de maiores dimensões e mais poluentes que representam atualmente um terço dos carros novos vendidos.
No caso da Polónia, um país pobre, a vertiginosa desigualdade e a dependência do carvão significam que os 10% mais ricos (que corresponde a 3,8 milhões de cidadãos) são responsáveis por mais emissões do que toda a população de países como a Suécia (9,8 milhões) ou a Hungria (9,9 milhões).
As viagens aéreas e de carro são responsáveis pela maior parte – cerca de 30-40% – da pegada de carbono dos europeus que mais poluem, conclui também esta análise.
O aquecimento doméstico é o que mais contribui para a pegada nos grupos de baixos rendimentos.
Situação em Portugal
A análise da Oxfam dá conta que em Portugal 72% da população pertence à metade de cidadãos mais pobres da Europa e só 22% pertence à faixa dos 40% com rendimentos intermédios. Ainda no tocante ao nosso país, só 6% dos portugueses pertencem ao grupo dos 10% mais ricos na Europa. “Estes números colocam Portugal com um peso desproporcionalmente elevado de pobres na Europa e desproporcionalmente baixo de classe média e ricos”, conclui a associação Zero.
Quedas nas emissões europeias de carbono deu-se à custa dos cidadãos europeus com rendimentos médios e baixos
Quanto às emissões, em 2015, em Portugal, os 5% mais ricos foram responsáveis por cerca de 20% das emissões (22,1 tCO2 por habitante) e os 5% mais pobres por 0,6% das emissões (0,7 tCO2 por habitante); ou seja, os mais ricos têm uma pegada carbónica cerca de 33 vezes superior aos mais pobres.
Quanto à faixa dos 10% mais ricos, respondem por 1,27 vezes mais emissões que os 50% mais pobres; na Europa, este valor é de 1,13.
Já a metade dos 50% mais ricos foi responsável por cerca de 3,2 vezes mais emissões que a metade mais pobre; o mesmo rácio na UE é de 2,9.
Em números absolutos e ainda para o ano de 2015, Portugal compara bem com a Europa: em Portugal cada um dos 10% mais ricos foi responsável em média por 16,0 tCO2, e na Europa por 23,2 tCO2 (menos 32% em Portugal); cada um dos 40% com rendimentos intermédios foi responsável em Portugal por 6,3 tCO2, e na Europa por 9,3 tCO2 (menos 33% em Portugal); já cada cidadão da metade dos mais pobres em Portugal foi responsável por 2,7 tCO2, e na Europa por 4,2 tCO2 (menos 36% em Portugal).
“Portugal regista assim, juntamente com a Suécia e França, das emissões per capita mais baixas de toda a Europa. Isto decorre de vários fatores que diferem entre os países e que, no caso de Portugal, são nomeadamente o facto de os ricos serem menos ricos (assim como os pobres serem mais pobres), o uso de energia para aquecimento e arrefecimento ser menor, bem como existir uma elevada incorporação de energias renováveis no mix energético”, explica a Zero.
“Pacto Ecológico Europeu tem de resolver desigualdade carbónica”, defendem ambientalistas
Esta semana, os líderes europeus irão discutir uma proposta de meta de redução de emissões de, pelo menos, 55% em relação a 1990 na próxima reunião do Conselho Europeu (agendada para 10 e 11 de dezembro). A Zero e a Oxfam consideram que são necessários cortes superiores a 65% para que a Europa contribua com a sua parte justa das reduções globais necessárias para limitar o aquecimento global a 1,5°C como no Acordo de Paris. A UE tem 7% da população mundial, mas é responsável por 15% das emissões do consumo global.
“Em 2020, com o mundo 1°C mais quente, a crise climática alimentou inundações e ondas de calor em toda a Europa, furacões mortíferos na América Central, enormes enxames de gafanhotos que devastaram plantações na África Oriental, e incêndios florestais sem precedentes na Austrália e nos EUA. Ninguém está imune a essas crises, mas os mais pobres e marginalizados são os mais atingidos. É por isso crucial que a UE use os instrumentos do Pacto Ecológico Europeu para combater a desigualdade. As emissões dos mais ricos terão de baixar significativamente, ao mesmo tempo que se beneficia diretamente os cidadãos com menores rendimentos. É essencial promover a mobilidade elétrica, e sobretudo o transporte público, taxar o combustível da aviação, internalizando os seus custos ambientais, e investir em eficiência energética, reabilitando habitações, resolvendo a pobreza energética e criando empregos verdes condignos”, referem os ecologistas.