Hoje, a partir das 15 horas, o Parlamento abre a discussão para a adoção de uma possível Lei do Clima.

São várias as forças políticas e dois deputados não inscritos (eleitos por um partido que abandonaram o grupo parlamentar desse partido) que irão apresentar as suas iniciativas legislativas, visando estabelecer uma Lei do Clima em Portugal.

São estes os Projetos de Lei em cima da mesa na Assembleia da República:

Projeto de Lei n.º 577/XIV/2.ª (PS): Aprova a Lei de Bases da Política do Clima
Projeto de Lei n.º 131/XIV/1.ª (PAN): Lei de bases do Clima
Projeto de Lei n.º 446/XIV/1.ª (PCP): Estabelece as Bases da Política de Ambiente e Ação Climática
Projeto de Lei n.º 526/XIV/2.ª (PEV): Lei-Quadro da Política Climática
Projeto de Lei n.º 578/XIV/2.ª (BE): Lei de Bases do Clima
Projeto de Lei n.º 598/XIV/2.ª (PSD): Lei de Bases do Clima
Projeto de Lei n.º 605/XIV/2.ª (NiCR): Define as bases da política climática
Projeto de Lei n.º 609/XIV/2.ª (NiJKM): Lei de Bases da Política Climática

A associação ambientalista Zero entende que esta é uma discussão crucial para se alcançar um consenso político alargado, “o qual é imprescindível para se conseguir uma lei de longo alcance para a sustentabilidade climática, intra e intergeracionalmente justa, apoiada no conhecimento científico, de aplicação abrangente, tecnológica e fiscalmente neutra, assente numa colaboração entre países e na internalização dos danos ambientais pelos atores-chave”.

Por que se justifica a aprovação de uma Lei do Clima?
Francisco Ferreira e Pedro Nunes, ambos dirigentes na Zero, explicam por que se justifica a aprovação de uma Lei do Clima: “Uma lei nacional do clima é uma lei-quadro abrangente que funciona na política climática como um instrumento chave orientador e estruturante deste e dos próximos governos nas suas ações. A lei visa garantir que todas as políticas contribuem para o objetivo climático e que todos os setores da economia e da sociedade desempenham o seu papel”.
“As alterações climáticas são o maior problema que a humanidade enfrenta. No âmbito da neutralidade climática a atingir até meio do século, do Pacto Ecológico Europeu, da meta de reduzir as emissões em pelo menos 55% na Europa entre 1990 e 2030 e dos Planos Nacionais de Energia e Clima para 2030, os países da União Europeia terão nas próximas décadas de adotar maciçamente tecnologias verdes, proteger o ambiente, reduzir a poluição e promover mudanças comportamentais de larga escala. Trata-se de um longo a exigente caminho a trilhar pela sociedade, para o qual é necessária uma lei climática que estabeleça o código, regras e destino nesse trajeto”, salientam os ecologistas.
A Zero recorda que há já vários países na Europa que adotaram leis do clima, como o Reino Unido, a Dinamarca, a França, a Alemanha e a Espanha, esperando-se que os restantes o façam a breve trecho.

A ideia de uma Lei do Clima em Portugal foi lançada pela Zero em dezembro de 2018, pelo que esta associação vê “com grande satisfação que a mesma foi acolhida pela maioria dos partidos”.

A Zero já leu todas as propostas de lei dos diferentes partidos e das duas deputadas não inscritas, Cristina Rodrigues (ex-Livre) e Joacine Katar Moreira (ex-PAN).

De acordo com a Zero, os projetos de Lei são muito diferentes no que respeita ao seu grau de detalhe e nalgumas abordagens, mas “estamos convencidos que é possível chegar a um grande consenso ao longo dos próximos meses da presente legislatura”, entende a Zero que dá os seus contributos para aquilo que considera serem os pontos fundamentais para o país ter uma lei climática ampla a eficaz.

    • 11 conteúdos fundamentais que a Zero considera dever estar presentes numa Lei do Clima:

      CONSIDERAR OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
      A Zero recomenda colocar como ponto enquadrador da Lei os atuais Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis das Nações Unidas. “As diferentes políticas, como sejam as relativas ao fomento das energias renováveis, devem enquadrar-se na prossecução de objetivos mais amplos de desenvolvimento sustentável, preservando a biodiversidade. A descarbonização não é um fim em si mesmo, mas um meio de atingir objetivos societais mais abrangentes, como os de uma sociedade mais próspera, saudável e justa, aos quais se deve subordinar. Num mundo pós-COVID-19, repleto de incertezas, os objetivos de descarbonização podem tornar-se particularmente simplistas, tendo em conta a complexidade e interligação dos desafios em causa, correndo o risco de não se coadunarem com políticas públicas devidamente ponderadas”, destaca a associação.
    • APOIO NA CIÊNCIA
      A Zero defende, como posição de princípio, que as decisões políticas de caráter ambiental, incluindo as com implicações no clima, devem ser firmemente apoiadas na ciência, que, através de estudos recorrentes ao estado da arte, enquadra racionalmente os problemas, aponta objetivos, e produz informação de suporte à decisão política, identificando as contrapartidas das opções existentes. Por isso, é entender da Zero que a Lei do Clima deverá explicitar que a política climática assenta na ciência e no conhecimento.
    • INDEPENDÊNCIA
      Para a Zero a Lei deverá prever a criação de um órgão com a missão de pronunciar-se sobre o planeamento, execução e avaliação da política em matéria de clima, bem como servir para clarificar a discussão pública sobre a condução dessa política. “A maioria das propostas de Lei preveem este órgão, mas nem todas. Além disso, algumas não são suficientemente enfáticas ou explícitas da independência que a Zero considera ser fundamental existir em tal órgão, em particular do Governo e de grupos de interesse. O exercício do cargo de membro da comissão deve ser bem tipificado, na lei ou em diploma autónomo, nomeadamente através da definição das suas incompatibilidades”, propõem os ecologistas.
    • NEUTRALIDADE CLIMÁTICA
      A Zero defende que a Lei do Clima deve ter um prazo para se atingir a neutralidade climática, “prazo esse que poderá ser antecipado face à evolução da emergência climática e da tecnologia que se venha a verificar nos próximos anos. Ademais, as propostas nem sempre são completamente explícitas quanto ao desígnio de neutralidade”, que no entender da Zero “deve ser climática (isto é, incluindo todos os gases com efeito de estufa), e não apenas carbónica. Isto é, é relevante que a lei explicite que as metas são em termos climáticos (CO2-equivalente) e não apenas para o dióxido de carbono (CO2)”.
    • A NECESSIDADE DE ORÇAMENTOS DE CARBONO
      Em linha com o que tem sido incorporado em Leis do Clima noutros países, a Zero defende que sejam considerados “orçamentos de carbono” a cada cinco anos. De acordo com a metas estabelecidas, e face à variação anual que existe nas diferentes atividades emissoras de gases com efeito de estufa, são estabelecidos tetos ou quantidades totais de emissão que são geridas ao longo de períodos mais extensos que o anual, em geral, quinquénios. “Há assim uma maior garantia de cumprimento dos objetivos estabelecidos, nomeadamente pela antecipação de ações de redução se necessário”, justifica a associação.
    • TRANSPORTES/MOBILIDADE
      “O setor dos transportes é a partir de 2020 o setor com maior peso nas emissões, e assim se manterá no futuro antevisível”, salienta os ambientalistas. No que respeita à componente rodoviária, a mais significativa, a Zero entende que a Lei do Clima deverá prever metas e instrumentos que conduzam ao fim da comercialização de veículos com motores de combustão, para além de outras medidas tais como instauração de zonas no interior das cidades, mas não circunscritas aos centros históricos, com severas restrições à utilização do automóvel privado, e reforço geral e nessas zonas em particular do serviço de transporte público, bem como o apoio a modos suaves de deslocação. Por outro lado, no entender da Zero, a aviação e a navegação internacionais com ponto de partida ou chegada em Portugal deverão ser incluídos nas metas climáticas para 2030 e 2050 a ser considerados no âmbito da Lei do Clima.
    • FINANCIAMENTO
      “Financiamento sustentável é entendido como apoio financeiro disponibilizado de forma transparente conducente ao bem-estar societal, fazendo reduzir a pressão sobre o meio ambiente levando em consideração aspetos sociais e de governança. A Zero entende que a Lei do Clima deve subjugar o investimento público e privado com recurso a fundos públicos aos princípios do financiamento sustentável, nomeadamente adotando a Taxonomia Europeia na aferição dos projetos que a ele têm direito”, afirma esta associação.
    • NEUTRALIDADE TECNOLÓGICA
      Uma vez que a tecnologia evolui de forma rápida, incluindo os seus custos e o surgimento de novas tecnologias, “uma Lei do Clima deve ser do ponto de vista tecnológico o mais neutral possível”, defende a Zero, para a qual “não deverão constar na lei incentivos a tecnologias específicas e ainda com um impacte incerto que, por mais promissoras que possam ser na atualidade, como é o caso do hidrogénio e em menor grau da captura de carbono, poderão perder atratividade ou relevância no futuro”.
    • ADAPTAÇÃO ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
      “Se a Lei do Clima deve ter uma particular ênfase na redução das emissões, sendo Portugal um dos países mais afetados pelas consequências das alterações climáticas, é fundamental que a adaptação às alterações climáticas, nomeadamente o enquadramento estratégico, as ações e a monitorização estejam abrangidas por esta legislação”, frisa a Zero.
    • PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
      Para os ambientalistas, a participação do público é fundamental numa lei desta natureza, devendo efetivamente pesar na tomada de decisões, reforçando a democracia e a supervisão democrática. “Parece-nos crucial dotar a Lei de do Clima de um regime próprio que conceda à participação pública um peso decisivo na tomada de decisão”, defende a associação. Nesse sentido, a Zero sugere ainda que a lei preveja “a adoção em Portugal da figura de Assembleia Climática de Cidadãos, que reúne representativamente pessoas de todas as esferas da sociedade para discutir a emergência climática e formas de a enfrentar. Os membros da assembleia aprendem sobre o assunto, discutem-no, e fazem recomendações sobre políticas públicas a adotar”. Explica a Zero que se trata de um modelo adotado com grande sucesso em países como o Reino Unido, “fulcral no estabelecimento futuro de uma verdadeira democracia ambientalmente participativa e deliberativa”. Na perspetiva da Zero, “deve ainda, nos termos da Convenção de Aarhus, ser concedido aos cidadãos o direito de acesso aos documentos administrativos relacionados com processos de decisão de projetos que gerem um acréscimo de emissões de gases com efeito de estufa”.
    • DIREITOS PROCESSUAIS
      A Zero observa que, “ao contrário do que acontece na Lei de Bases do Ambiente, a quase totalidade das propostas de lei do clima não preveem direitos processuais, não dotando os cidadãos de direitos que lhes permitam interferir nos processos de decisão pública em matéria climática”. Tendo isto presente, a Zero considera “importante estes direitos estarem patentes na Lei do Clima, conferindo aos cidadãos e organizações civis a possibilidade de intervir no estabelecimento de políticas que considerem danosas”. Nesse sentido, a Zero recomenda mesmo a inclusão de um artigo explícito dos Direitos Processuais em Matéria de Clima, análogo ao Artigo 7º da Lei de Bases do Ambiente.

 

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