Gulbenkian Água: escassez anunciada impõe agricultura mais sustentável

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Gulbenkian Água revela a preocupação da Fundação Calouste Gulbenkian com a utilização presente e futura deste recurso.

De entre os vários recursos naturais finitos, a água tem sido dos mais pressionados com o desenvolvimento económico, a urbanização, a poluição, a desflorestação e as alterações climáticas.

A sua escassez coloca em risco não só a nossa saúde mas também a nossa capacidade de produção de bens e serviços essenciais, incluindo alimentos.

Através do programa Gulbenkian Água, o objetivo é promover uma utilização mais eficiente deste recurso junto de toda a cadeia de valor do setor agroalimentar – do campo de cultivo à mesa do consumidor.

O desafio em Portugal

Portugal tem uma situação muito específica, que partilha com outros países mediterrânicos, como a Espanha e a Grécia. Carateriza-se pela existência de regadio, em que a rega de culturas compensa o calor e a falta de chuva que caracterizam as estações quentes do ano.

As consequências são muito significativas, levando a que, no nosso país, o setor agrícola seja responsável por 75% do total de água utilizada. É uma percentagem muito elevada, sobretudo quando comparada com a média da União Europeia, que limita aos 24%. É, de facto, mesmo superior à média mundial, que se encontra nos 69%.

Para aprofundar conhecimento sobre esta problemática, a Fundação Gulbenkian encomendou ao C-Lab o estudo “O Uso da Água em Portugal”, desenvolvido entre 2019 e 2020.

Foto de elizabeth lies

Conclusões preocupantes

Este estudo permitiu recolher muitos dados e fundamenta várias conclusões que não podem deixar de nos alarmar:

  • Portugal enfrenta risco de escassez de água já nos próximos 20 anos
  • A maioria dos agricultores não mede a água que gasta (71% não tem contador de água)
  • A água é, maioritariamente, retirada de furos, charcas, poços e outras estruturas privadas. Tem fraca expressão no total de despesas da atividade
  • A transição para uma agricultura mais sustentável do ponto de vista hídrico exige a adoção de novas tecnologias de rega e gestão de água. O caminho está a ser feito mas tem de continuar a ser incentivado: se a maioria (65%) dos agricultores já utiliza sistemas de rega localizada (gota-a-gota), mas a adoção de tecnologias mais avançadas para controlo de rega e gestão da água ainda só foi abraçada por uma minoria (30% utiliza sondas de apoio à rega, 23% utiliza estações meteorológicas, 37% utiliza programas de controlo de rega)
  • Apenas 3% dos agricultores incluem cenários de longo prazo e de sustentabilidade no planeamento da sua atividade
  • 81% dos agricultores que adotaram novas tecnologias não têm dúvidas de que poupam água. As poupanças abrangem também a energia ou os fertilizantes
  • 85% afirma não ter de cumprir nenhuma exigência em relação à água junto de clientes
  • A transformação do setor tem de chegar a todos, com o apoio de organizações de produtores, consultores especializados ou empresas do setor agroalimentar

Mesa redonda com os agricultores

Foi um encontro virtual muito interessante, reunindo Filipa Dias, investigadora do C-Lab e dois agricultores que partilharam as suas experiências.

Filipa Dias revelou a metodologia e as conclusões do estudo. Foram realizadas 52 entrevistas, com duração de mais de 100 horas, 460 questionários a agricultores e 500 a consumidores.

A falta de água não é uniforme em todo o território, sendo mais sentida a sul (71% no Algarve e 64% no Alentejo) do que a norte e centro (50%).

O estudo do C-Lab aponta medidas de apoio a cerca de 2/3 dos agricultores que precisam de ajuda para tomar melhores decisões na gestão da água. Em simultâneo, é importante preparar o caminho para a crescente auto-suficiência alimentar do país, objetivo ainda longe de se concretizar. O caminho ideal será a produção agrícola local e sustentável, combinando tradição e futuro.

Pedro Mogo, agricultor baseado no Algarve, falou da produção de pera-abacate. No seu entender, a qualidade da água utilizada é essencial para aumentar a eficiência.

João Coimbra detalhou as várias formas de monitorização da sua exploração agrícola. No seu caso, a rega pode representar 25 a 30% dos seus custos de produção. Otimizar o uso da água é potenciar a sustentabilidade do recurso, mas também a da sua atividade, em termos económicos e sociais.

João Coimbra defendeu que, para esse objetivo é essencial a integração da tecnologia, que permite mesmo a digitalização do processo de decisão de quando, quanto e como regar. Tal só é possível com a sensorização aplicada, com sondas de humidade, estações meteorológicas e até mesmo drones, entre outras, que permitem uma agricultura de precisão. Deste modo, foi possível, na sua expiração agrícola, aumentar a produtividade da água em 335%, de 1988 a 2011 (15% ao ano).

As perguntas do W

Tivemos a oportunidade de colocar duas questões ao painel. A primeira foi relativa ao impacto, positivo ou negativo que a agricultura intensiva ou super-intensiva pode ter relativamente a uma agricultura mais sustentável.

A agricultura intensiva carateriza-se, como o nome indica, no uso intensivo dos meios de produção, sem rotação da terra e concentrado apenas num tipo de fruta ou hortícola.

João Coimbra defendeu que esta abordagem, acompanhada com os processos de precisão permitidos pela tecnologia e metodologia moderna podem ser mais eficientes e sustentáveis. Um dos fatores positivos é que, ao exigir menos área, pode libertar mais zonas de conservação, por exemplo.

O contributo de uma alimentação de base vegetal

A segunda questão foi relativa aos hábitos dos consumidores. Já que a pecuária tem um peso significativo na utilização mundial de água (cerca de 1/3), uma alteração substancial para uma alimentação de base vegetal pode ter impacto positivo na gestão da água?

O próprio World Resources Institute identifica como meio de poupança de água a escolha de alimentos que se posicionam mais abaixo da cadeia alimentar. Para alimentar um europeu com dieta omnívora gasta-se 4200 litros face aos 2600 litros necessários para uma dieta vegetariana equivalente.

João Coimbra, reconhecendo a existência de algumas alterações nos hábitos dos consumidores, alertou para o facto de que o uso da água imputado à pecuária não decorre do consumo direto deste recurso pelos animais. Ele é, de facto, utilizado para a produção de vegetais posteriormente utilizados como alimento para aqueles.

Filipa Dias confirmou não haver dúvidas de que uma alimentação mais saudável e equilibrada pode ter impacto positivo também no uso do recurso água. Admitiu também ser natural que, há medida que existe uma alteração na dieta dos consumidores, esse fator tenha também um efeito transformador na indústria agro-alimentar.

Próximos passos

As conclusões do estudo estão agora a servir de base de conhecimento para desenhar a atuação da Fundação no seu programa Gulbenkian Água, em prol da eficiência hídrica e de uma nova cultura da água no setor agroalimentar em Portugal, que abrangerá toda a cadeia de valor.

Fazer diferente e pensar a longo prazo é um desafio que compete a todos: agricultores, setor agrícola, indústria alimentar, grande distribuição e consumidor, que faz a escolha final.

Foto de destaque de Pedro Kümmel

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