O mais recente relatório do JRC (Joint Research Centre), grupo de investigação da Comissão Europeia, revelou o progresso dos Estados-Membros na implementação da Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), com o documento a evidenciar o muito caminho que há para fazer em termos de poupança energética dos edifícios residenciais.
Trata-se de uma Diretiva, atualmente sob revisão, que estabelece o quadro regulamentar para atingir um parque edificado mais eficiente em termos energéticos e rumo à neutralidade carbónica.
Parque edificado português é obsoleto
O relatório, analisado pela associação Zero, conclui que o parque edificado português é um parque obsoleto, nomeadamente no setor residencial. “Do conjunto de problemas que afetam o desempenho energético dos edifícios nacionais, para além do envelhecimento natural dos materiais e da ausência de manutenção, é possível destacar as características físicas dos edifícios, nomeadamente ao nível do baixo desempenho térmico da envolvente e a ineficiência dos sistemas energéticos instalados”, refere a Zero.

Islene Façanha, da Zero, recorda que, até 2006, não existia legislação neste setor: “Em 1990, começou a surgir legislação sobre o tema, mas que não apresentava a imposição de requisitos. Em 2006, iniciou-se o sistema de certificação energética e uma legislação mais robusta e dedicada à eficiência energética. Portugal transpôs a última Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), a nível nacional, com o Decreto-lei nº 101-D/2020”.
Neste contexto, clarificam os ecologistas, para que Portugal atinja os objetivos em matéria de energia e clima a que se propõe no âmbito do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 e do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, é importante uma profunda renovação energética do parque edificado existente.
Relativamente ao desempenho de Portugal, o relatório demonstra que “as renovações profundas apresentaram um impacto muito mais significativo na poupança energética em comparação com as renovações [efetuadas nas habitações] de nível ligeiro e médio”, indica a Zero.
Portugal é o país da UE-28 a apresentar os valores mais baixos de poupança energética nos edifícios residenciais nos três níveis de renovações.
Ainda assim, Portugal é o país da UE-28 a apresentar os valores mais baixos de poupança energética nos edifícios residenciais nos três níveis de renovações, como pode ser observado no gráfico a seguir:

nos Estados-Membros da UE-28 por nível de renovação, média anual entre 2012-2016. Fonte: Joint Research Centre, 2020
Também nos edifícios não residenciais, Portugal apresenta as taxas de poupança mais baixas resultantes da renovação ligeira e média e o segundo valor mais baixo na renovação profunda, apenas atrás do Reino Unido.
“A maior parte dos investimentos nacionais em renovação ocorreu em renovações médias e ligeiras, onde as taxas de poupança energética são menores, em detrimento dos investimentos em renovações profundas”, salienta a Zero.
Os investimentos em Portugal são maioritariamente em renovações médias e ligeiras, onde as taxas de poupança energética são menores.
“Estas opções de investimento traduziram-se numa taxa de renovação anual dos edifícios residenciais, entre 2012 e 2016, elevada no nível ligeiro. Porém, o desempenho de Portugal no que se refere à taxa de renovação profunda é bastante inferior”, referem os ambientalistas.
O mais positivo…
Comentando o relatório, a Zero considera como um aspeto muito positivo o facto de Portugal ter registado um crescimento exponencial no número de certificados energéticos emitidos entre 2011 e 2018 (225% nos edifícios residenciais, 633% nos edifícios não-residenciais e 379% nos edifícios públicos).
… e o negativo
Todavia, a Zero critica o desempenho de Portugal no que diz respeito aos Nearly Zero Energy Buildings (NZEB), isto é, edifícios com necessidades quase nulas de energia, o qual ficou aquém do recomendado, tendo ultrapassado significativamente os valores de referência da energia primária recomendados pela Comissão Europeia no edificado.
No tocante a incentivos fiscais e instrumentos financeiros, Portugal, a par de França, Bélgica e Itália, promoveu todos os tipos de instrumentos, nomeadamente subvenções, empréstimos e redução de impostos, para todos os tipos de edifícios – residenciais, comerciais e públicos, apesar de, na opinião da Zero, estes instrumentos terem ainda resultados limitados.
Performance energética deixa a desejar
“Portugal ainda está aquém do desempenho energético desejado para os edifícios”, diz a Zero.
Comparativamente com os outros Estados-Membros, a interpretação do relatório feito pela Zero vai no sentido de que “Portugal ainda está aquém do desempenho energético desejado para os edifícios e necessita avançar com as ações a nível nacional, em consonância com as políticas e estratégias atuais para cumprir com o objetivo de neutralidade climática”.
Para a Zero, é “necessária uma mudança de paradigma no setor da construção para um melhor desempenho energético, substituição dos combustíveis fósseis para energias renováveis e desenvolvimento de práticas sustentáveis e circulares em toda a sua cadeia de valor”.
Retrato da Europa
De acordo com este estudo, o setor residencial apresentou uma redução de aproximadamente 10% no consumo final de energia graças a melhorias na eficiência energética, bem como pelos invernos mais amenos, enquanto o setor comercial teve um aumento de 2%, nomeadamente devido ao crescimento económico.
“Globalmente, quase todos os Estados-Membros aplicaram as disposições da EPBD (Energy Performance of Buildings Directive) de forma adequada ao longo das revisões subsequentes, apesar de alguns atrasos e incumprimentos. Contudo, o atual quadro político parece ainda insuficiente para promover a profunda transformação necessária para o parque edificado atingir a sua descarbonização total, conforme o objetivo de neutralidade climática”, afirma a associação Zero.
Entre as principais tendências observadas à implementação de alguns dos principais requisitos da EPBD, como o certificado de desempenho energético (EPCs), níveis de otimização de custo, edifícios com necessidades quase nulas de energia e a estratégia de longo prazo para a renovação dos edifícios, “verifica-se a grande heterogeneidade em termos de escopo nos Estados-Membros, diferenças na definição da etiqueta energética, esquemas de qualificação para certificadores, sistemas de controlo de qualidade e registos nacionais/regionais. Além disso, as diferenças de metodologias e de roteiros para atingir a neutralidade climática entre os Estados-Membros foram pontos assinalados no relatório”, salienta Islene Façanha, da Zero.
O relatório também estabelece algumas recomendações de políticas para apoiar a implementação da estrutura atual da EPBD, enquanto fornece dicas sobre alguns dos elementos que devem ser tratados na próxima revisão realizada até dezembro de 2021.
Para a Zero, “é uma grande oportunidade para realizar sinergias entre as diferentes diretivas, apresentar um quadro regulamentar forte, analisar o potencial dos países nesta matéria e aumentar ainda mais o papel dos cidadãos e cidadãs, do setor de construção e membros das comunidades de energia neste momento de transição”.