Como defines o Megane E-Tech Electric em 20 palavras?

É um Renault elétrico do segmento C com plataforma dedicada, estética cuidada e vincada preocupação com eficiência energética.

Faz sentido continuar a chamar-se Mégane?

Acho que não faz sentido chamar outra coisa ao representante de segmento C da Renault, seja elétrico ou com motor de combustão. Megane é quase uma sub-marca da Renault, tal o sucesso comercial do modelo ao longo das suas quatro gerações. O Megane E-Tech Electric não vai, no entanto, substituir a quarta geração com motores de combustão. Para já, será uma opção suplementar, 100% elétrica. A Renault é uma das marcas que já manifestou o objetivo de se tornar 100% elétrica até 2030, pelo que este será, provavelmente, o primeiro de vários Megane BEV.

Graças ao Zoe, a Renault é o construtor europeu com maior experiência na produção e comercialização de elétricos de bateria. Isso nota-se neste modelo?

O Zoe foi uma boa base de partida, mas também representou uma enorme responsabilidade. Foi um revolucionário suave, sem espalhafato ou presunção, que permitiu a centenas de milhares de europeus ter o seu primeiro elétrico.

Por isso, a expectativa gerada pelo Megane E-Tech começou dentro da Renault e o resultado nota-se bem. 

Quão decisivo é o sucesso do Megane E-tech para a marca?

Este modelo tem uma grande importância para a Renault, porque é o seu primeiro elétrico num dos segmentos mais relevantes do mercado europeu. Várias marcas já estão representadas e a Renault estava em falta. A demora esteve relacionada com um cuidado particular no desenvolvimento, mas também com questões relacionadas com a aliança entre a Renault e a Nissan, que tiveram de ser resolvidas. A pandemia também não ajudou e ainda se vive a crise dos semi-condutores.

Mas, depois do nosso teste em Marbella, não pode haver grandes dúvidas sobre o excelente trabalho que a Renault fez neste modelo. E o seu posicionamento no mercado augura bons resultados. Nessa frente, não parece haver motivo de preocupação. 

Então conta como foi a experiência…

Peguei cedo ao serviço. Pouco depois das 8h30 já estava ao volante. Havia dois níveis de equipamento disponíveis, o Techno e o Iconic, que tem o nível de equipamento mais completo. No evento só estava disponível a versão com bateria de 60 kWh. Existe outra com apenas 40 kWh.

Não são de pequena capacidade, face à concorrência?

A Renault pegou no assunto de outra forma. Em vez de apostar em packs maiores de baterias, preferiu investir o seu esforço numa maior eficiência energética. Para ter um bom alcance, ou levamos mais energia ou arranjamos uma forma de gastar menos.
Os packs de bateria de menor capacidade (com a mesma tecnologia) são também mais leves e isso tem uma série de consequências muito positivas. Com menos peso, os elementos dinâmicos do conjunto trabalham com menor esforço, seja ao nível das suspensões ou dos travões. Puxar menos peso também poupa energia. E baterias de menor capacidade também custam menos, pelo que há ainda um fator positivo no preço.

Mas como ficam as autonomias destes modelos?

A versão de 40 kWh tem motor de 96 kW (130 cv), 250 Nm de binário e um alcance com uma carga de até 300 km no ciclo WLTP. A versão de 60 kWh tem um novo motor síncrono de 160 kW (218 cv), 300 Nm de binário e um alcance de 450 km (WLTP).
São valores bastante competitivos, sobretudo quando aliados à possibilidade de carregar em AC até 22 kW e em DC até 130 kW. Nesta última, um carregamento de 25 minutos permite carregar até 250 km de alcance adicionais. 

Voltando ao ensaio…

Antes disso, gostava de falar do exterior. O Iconic de 60 kWh que me foi confiado era azul escuro, que torna a silhueta do Megane E-Tech mais carregada. Mas, graças a uma bateria ultrafina com apenas 1,1 centímetros de espessura,  este modelo é bastante baixo, com apenas 1,5 metros de altura. A distância entre-eixos é muito significativa com o vão dianteiro e traseiro diminutos. As jantes de 20 polegadas estão muito bem integradas, mas deixaram algumas interrogações quanto ao impacto que teriam no conforto. 

As preocupações aerodinâmicas são evidentes, sobretudo na secção dianteira e os puxadores das portas são escamoteáveis.

Apesar de haver quem se refira a este modelo como um crossover, na verdade, a sua altura e quotas de habitabilidade são as típicas de uma berlina de cinco portas deste segmento que, por acaso, é 100% elétrica.

E o interior, que tal te pareceu?

Foi uma boa surpresa. A começar pela possibilidade de regular os bancos para uma posição bastante baixa, permitindo também ter o volante numa posição ideal, quase vertical. No nível mais elevado de equipamento a regulação dos bancos é elétrica.

Mas o que chama mais atenção é que a Renault não seguiu o caminho do minimalismo que, quando funciona, é interessante (no caso dos Tesla), mas quando não corre bem, dá mesmo um ar muito pobre ao habitáculo (não vou apontar o dedo, mas são bem europeus…) A Renault optou por um interior refinado, repleto de ecrãs, mas também com muitos comandos por botões. 

A passagem do comando da transmissão para junto do volante libertou também a zona central do painel e da área entre os bancos dianteiros. O único inconveniente é que passaram a existir quatro comandos satélite ao volante o que é, francamente, um exagero.

Mas qual era a alternativa?

Acho que a Renault quis manter alguma familiaridade dos comandos para os seus clientes fiéis. E, como tal, não quis alterar de forma radical o interface do condutor Renault. Por isso, manteve os comandos habituais junto ao volante e acrescentou mais um. Haver um comando especificamente para as luzes e outro para os limpa pára-brisas e óculo traseiro ainda se compreende, mas manter o comando do sistema de som é realmente anacrónico. Sobretudo quando tantos outros detalhes neste automóvel são tão inovadores e bem pensados.

Ok. E quando é que começas a andar?

Pode ser agora, usando o novíssimo comando de transmissão e levando-o ao D. O arranque é suave, mas com 218 cv e 300 Nm de binário, a escolha é do condutor, já que esta versão acelera dos 0 aos 100 km/h em 7,4 segundos. Talvez mais importante ainda, recupera dos 80 aos 120 km/h em 4,4 segundos. A velocidade máxima está limitada aos 160 km/h. 

Existem três modos de condução (Eco, Normal e Sport) e ainda outro personalizável. 

Foi dada uma atenção especial à recuperação de energia na desaceleração, que tem quatro níveis. O primeiro deixa o Megane E-Tech rolar livremente, mas os outros abrandam-no com cada vez mais resistência. O quarto nível é particularmente potente e dispensa a utilização do pedal do travão até muito baixa velocidade. Mas não imobiliza totalmente o veículo. A condução só com um pedal não é possível. 

E como é que isso te faz sentir?

Ao princípio fiquei um pouco desiludido, porque acredito que essa será uma característica transversal a todos os elétricos. Mas compreendo que esteja integrada na estratégia da Renault de não perturbar demasiado os seus clientes habituais.
Infelizmente, apesar deste modelo permitir atualizações remotas de software, este não é um futuro upgrade possível, já que era preciso alterar componentes “físicos”, segundo apurei. 

Também não acho particularmente útil os vários níveis de desaceleração, que vêm acompanhados das patilhas no volante. Pela minha experiência, a maior parte das pessoas escolhe a que gosta mais — normalmente o mais forte ou o menos forte — e não mexe mais. Eu julgo que uma posição padrão (intermédia), outra que permita que o veículo role livremente e uma mais forte, de preferência, até à imobilização completa, oferecem as escolhas mais adequadas. Este sistema com patilhas foi adotado por alguns modelos japoneses e coreanos e não me parece que tenha grande futuro. Acho até um detalhe pouco europeu num BEV especificamente desenvolvido para o nosso mercado.

Mas pelo menos ficou claro que a Renault dotou o Megane E-Tech Electric modelo com todas as soluções para um excelente desempenho energético. E o nosso teste confirmou isso mesmo.

Então que consumos podemos esperar?

O teste foi realizado com o modelo de 60 kWh, 220 cv e jantes de 20 polegadas, cujo consumo anunciado em WLTP é de 16,1 kWh/100 km. O percurso tinha duas etapas, da costa até às montanhas, para o almoço e, depois, regresso ao ponto de partida. Em ambas escolhi o percurso mais longo. Na véspera tive a sorte de jantar com Olivier Brosse (Vice-Presidente de Renault Brand Engineering) e brincámos com o melhor consumo possível para o percurso. Ele disse que, com uma condução cuidada, dava para fazer 14,5 kWh.

Eu disse-lhe que ia apontar para os 12 kWh, pelo que fiquei um pouco desiludido quando, nos primeiros 133 km, não consegui melhor do que 14 kWh. Mas só ia a meio e, quando regressei ao parque, tinha feito 237 km a 12,2 kWh. Houve pelo menos mais um jornalista que fez 13,8 kWh. Os restantes andaram sem qualquer preocupação e a maior parte fez entre 16 e 17 kWh. 

Vai haver uma versão com jantes de 18 polegadas, que é mais eficiente e terá um alcance máximo, com o pack de 60 kWh e o motor de 96 kW, de 470 km. Mas este não estará disponível logo de início.

Então como fica organizada a gama completa do Megane E-Tech Electric?

No arranque, a versão de entrada (Equilibre) terá o motor de 96 kW (130 cv) e a bateria de 40 kWh, mas sem carregamento rápido. Carrega a 7 kW em AC e terá um preço de €35.200. Haverá uma especificação Boost Charge, que combinará o carregador interno de 22 kW com o carregamento rápido de 130 kW, mas ainda não conhecemos o preço.

As versões Techno e Iconic estarão disponíveis só com o pack de 60 kWh e o motor de 160 kW (218 cv). Combinam, de série, o carregador embarcado de 7 kW com o carregamento rápido até 130 kW. Custarão, respetivamente, €43.200 e €46.200.
Mas ambos estão também disponíveis na configuração Optimum Charge, que combina o carregador interno de 22 kW com o carregamento rápido de 130 kW. Confere uma versatilidade de carregamento superior nos PCN mais potentes, mas tem um custo adicional de €1500.  

E parece-te que se justifica?

Depende da utilização. 7 kW é uma potência razoável para ter em casa, com o apoio de uma wallbox. Com a bateria de 60 kWh, carregamos de zero a 100% em 10 horas (em 7 horas no caso do pack de 40 kWh).

Mas para usar postos de carregamento, já é um pouco limitado. O que vai acontecer é que cada vez mais os pontos de carregamento normal (PCN) sejam atualizados para 11 e, idealmente, 22 kW. Mas quem carregue em casa e faça algumas viagens mais longas em áreas com boa infra-estrutura de carregamento rápido, provavelmente pode poupar o valor desta opção. 

Entretanto, vão surgir mais tarde no mercado mais duas versões. O Megane E-Tech Electric Evolution ER (Extended Range), que não terá o look sport, combina o motor de 96 kW com o pack de bateria de 60 kW e cujos preços serão €41.200 ou €42.700 (com carregador AC 22 kW). O Evolution será uma versão um pouco mais acessível do conjunto motor 160 kW e pack de 60 kWh (com preços a partir de €42.000). 

Para os utilizadores que achem necessária a bomba de calor, esta está incluída no pack Winter Perfomance (€1000), mas só nas versões com carregamento supercharge (AC 7kW + DC 130 kW). 

Tens mais algum aspeto a destacar?

Sim. Acho que se deve realçar a capacidade de reboque do Megane E-Tech Electric de até 900 kg (com travagem), nas versões mais potentes. As versões de 96 kW estão limitadas a 500 kg. 

O suporte no tejadilho pode receber até 75 kg de peso.

E o balanço final é?

Com o Megane E-Tech Electric a Renault terá um representante à altura dos seus pergaminhos no segmento C 100% elétrico.
Dinamicamente, tem tudo para ser uma referência. O conforto é de bom nível e o interior bastante requintado, embora o habitáculo esteja, na prática, limitado a quatro adultos.

O interface de utilização na vertente de infotainment é de muito bom nível, do melhor que já experimentámos: responsivo, rápido e bastante preciso.
Há ainda alguns vestígios (poucos) de uma abordagem um pouco datada, com demasiados botões e comandos que podiam facilmente ser substituídos, mas que são um piscar de olhos aos clientes mais antigos da marca.

Dito isto, o resultado geral é muito bom e não é fácil encontrar defeitos neste novo Megane, claramente desenvolvido com muita atenção ao detalhe e com vontade de incorporar aspetos inovadores. É uma pena que seja preciso esperar até setembro para ver como vai ser recebido pelo mercado, mas não é difícil adivinhar-lhe sucesso.

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