Marita Setas Ferro é designer e fundadora da marca de moda Marita Moreno, uma empresa dedicada à confeção de calçado e de bolsas. A sustentabilidade é um dos pilares da Marita Moreno cujas coleções têm sempre a missão de preservar a Terra, por isso, são utilizados materiais como sobras de coleções anteriores, cascas de banana e alfarroba, entre outros.

A Marita Moreno tem uma coleção de calçado sustentável. Porquê optar por materiais reciclados?

marita moreno

A opção de criar calçado e bolsas foi feita no rebranding da marca em 2016. A marca surgiu em 2008 como uma marca de peças de autor, únicas com aplicações artesanais têxteis. A sustentabilidade e responsabilidade ambiental esteve sempre presente na génese da marca, na sua missão e no seu ADN – produzir em Portugal, com materiais endógenos e fabricados em Portugal, peças de design contemporâneo em que a cultura e o património português estivessem presentes. Por isso a criação de calçado sustentável, a partir de 2016, foi o passo natural e necessário na implementação da marca no mercado internacional da moda – a Marita Moreno com calçado e bolsas, foi lançada em Londres no sector de Luxo da feira PURE. A atenção e intervenção que a nossa marca dá ao sector das Artes e Ofícios em Portugal, projeta-nos muitas vezes como marca do “novo luxo”, o luxo do tempo, do saber-fazer aplicado a produtos de design contemporâneo, do património e da cultura portuguesa como valores intangíveis percecionados no sapato. A opção de criar uma marca de calçado sustentável foi mesmo com o objetivo de haver no mercado uma marca que se diferenciasse pela abordagem da sustentabilidade, da responsabilidade ambiental e social, do respeito pela cultura e património português.

Fale-nos um pouco desta coleção limitada de sandálias – Upcycled Sandals Collection. Quais os materiais utilizados?

Todas as coleções da marca são sempre criadas a partir de temas importantes que sentimos como urgentes para serem falados – esta coleção foi pensada precisamente no upcycling, pois a marca tem sentido que o maior problema na moda, nos dias de hoje, é o que fazer com os materiais em stock e como dar novos destinos a esses materiais que não seja o aterro ou a queima (métodos usados normalmente para desfazer stock). Para nós também é muito importante percebermos que não temos de criar novos materiais e por isso usar mais recursos da Terra (que são tão preciosos) para criarmos produtos com design contemporâneo, bonitos, exclusivos e com um propósito. Os materiais que usamos foram os couros e bio-couros que sobraram das produções de coleções anteriores, o forro que tínhamos em armazém e as placas para as solas (em materiais sustentáveis) que tínhamos também em armazém.

Porquê a escolha desses materiais?

Sempre foi nossa prática considerar os materiais como um bem valioso e o que sobra das produções, como material a ser aproveitado para fazer novos produtos. Esta coleção de sandálias teve o mesmo princípio que algumas coleções que já lançamos – reutilização de materiais em stock (bio-couro, couro, solas e forro). Devido às pequenas quantidades de cada material, não podemos usar em linhas contínuas de maior produção, por isso usamos o stock que temos, damos-lhe valor e uma nova utilização – dai ser uma coleção upcycling. Optamos por serem sandálias (já fizemos sapatilhas, sapatos e botas) pois temos mesmo pouca quantidade de peles ou são pequenas, conseguindo produzir 10, 14 ou 20 pares de cada cor – este tipo de produto é muito interessante pois é bastante exclusivo e diferente.

Quais os desafios de fazer calçado com materiais reciclados?

Se pensarmos nos desafios de criar calçado sustentável em que usamos materiais reciclados, podemos dizer que temos diversos desafios – começa pela qualidade dos materiais para o sector do calçado. O calçado é um produto que tem de ter um estudo adequado devido ao seu elevado desgaste e impacto na nossa saúde, ou seja, o sapato calça o pé que é a nossa sustentação e para isso tem de ser uma continuidade do nosso pé e não um “estorvo bonito”.

Nesta perspetiva, temos mesmo que pensar na forma do calçado, nos materiais que têm que ser saudáveis, confortáveis, acompanharem bem o movimento do pé e se quisermos que sejam sustentáveis têm que durar, não ter origem petrolífera e se possível usarmos materiais que já existam previamente em stock (upcycling) ou sejam resultado de indústrias verdes – como por exemplo a indústria dos curtumes, pois a pele é considerada um “lixo” da indústria alimentar.

Portugal tem exemplos nesta área?

Quando falamos de reciclagem no calçado, temos excelentes exemplos fabricados em Portugal ao nível das solas – temos por exemplo, solas feitas com 80% de mesmo material reciclado, temos solas feitas com material reciclado em que sapatos estragados, gastos, etc. se moem e que esse produto moído integra em 30% as novas solas, temos solas que integram cortiça e outros matérias vegetais para funcionarem como elementos amortecedores e de maior conforto… temos excelentes exemplos em Portugal.

Ou seja, quando estamos a criar e a desenhar, há toda uma série de conhecimentos de materiais, caraterísticas e fornecedores dos produtos a usar que temos que ter em conta quando estamos a desenvolver estes novos produtos.

Como encontra estas matérias-primas?

Desde 2016 que pesquiso novos materiais sustentáveis, biomateriais, materiais reciclados, novos fornecedores e esta pesquisa vai desde ir a feiras profissionais de materiais, pesquisa na internet, no Instagram, Facebook, LinkedIn… ou seja é uma busca e experimentação constante, pois peço sempre amostras de materiais para experimentar e às vezes funcionam bem em calçado, outras vezes não… por vezes as fábricas de calçado têm novos materiais que propõem ou os fornecedores estão a experimentar novos materiais e pedem para fazermos protótipos com eles para percebermos a resistência, durabilidade e conforto desses materiais.

Participaram no evento Etikway e venceram o primeiro lugar do Etik’s Innovation Award. Fale-nos um pouco deste evento e da importância de serem distinguidos com este prémio.

O Imagine the Etikway – Sustainable Fashion Innovation AWARD 2022, foi o primeiro concurso de moda sustentável em Portugal, e como tal sentimos que tínhamos de participar, pois embora tenhamos participado em vários concursos internacionais e ganho alguns desses prémios, esta seria a primeira vez que se realizaria um concurso de moda sustentável em Portugal. A Marita Moreno ganhou o prémio na categoria de calçado com o Michone Carob e o Laureline Carob – são dois modelos da marca que apresentamos com pele de alfarroba e pele de banana, dois novos biomateriais desenvolvidos pela designer Mónica Gonçalves, sarja com tingimento mineral da Troficolor e solas de borracha com fibra de banana e de cortiça da Cambocal e foi produzido em S. João da Madeira. Ao ganharmos este prémio na categoria de calçado, percebemos que o trabalho que temos realizado até agora na área da sustentabilidade foi também reconhecido a nível nacional. Percebemos também que os produtos que apresentamos são inovadores, têm um design contemporâneo, cumprem com vários requisitos exigidos pelo prémio e que a criação e a produção de moda sustentável em Portugal são excelentes.

Estas iniciativas são importantes?

É muito importante que haja eventos e concursos nacionais neste âmbito, abertos a todas as marcas, para que estas possam apresentar os seus produtos inovadores na área da sustentabilidade. Em Portugal existem imensas marcas sustentáveis e responsáveis ao nível ambiental e social que ainda não tinham tido um espaço para se mostrarem e este concurso foi fantástico exatamente por isso – deu “um palco” para que todas estas marcas – desde fatos de banho a vestidos de noite – pudessem mostrar o que de bom se faz em Portugal em moda sustentável.

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