A guerra que está a travar-se no coração da Europa preocupa, desde logo, pelas questões humanitárias, dadas as consequências dramáticas para a população. Porém, as suas consequências vão muito mais além.
Logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, até aqui um dos principais fornecedores de gás natural do norte da Europa, muitos países levaram para cima da mesa o dossier da segurança de abastecimento. Foram redefinidas estratégias com vista a acautelar questões energéticas fulcrais.
Na Alemanha, a dependência do gás russo ronda uns expressivos 55%. Não admira por isso que o Governo de coligação, liderado por Olaf Scholz, tenha chegado, há dias, a acordo com o Qatar para fornecimento de gás natural liquefeito. O mesmo acordo abrange a expansão das energias renováveis e medidas de eficiência energética.
A dependência de Portugal do gás fornecido pela Rússia é bem menor. Não excedeu os 10% em 2021. De qualquer forma, mesmo não estando em causa a interrupção do abastecimento, porque outros países estão a assegurá-lo, esta ocasião deve ser aproveitada para prevenir crises similares.
É urgente continuar a apostar aceleradamente nas energias renováveis, dispensando progressivamente o gás natural, que ainda vai sendo necessário para colmatar a produção renovável e garantir a segurança de abastecimento, descarbonizando a economia e oferecendo eletricidade mais barata.
Convém lembrar que o preço do gás natural, encarado até aqui como a energia de transição, tem sido o principal responsável pelos consecutivos aumentos dos preços da eletricidade no mercado grossista, devido à natureza marginalista deste mercado. É a última tecnologia a entrar no abastecimento da totalidade do consumo que fixa o preço, a cada hora, de acordo com as regras do mercado ibérico. Como era expectável a situação está a agravar-se com a escalada de preços do gás natural.
Acelerar a implementação da transição energética rumo à maximização da incorporação de energia de fontes renováveis, com a consequente eletrificação direta e indireta dos consumos, é a melhor forma de assegurar a segurança de abastecimento e a independência energética. É certo que esta é uma transição que não é imediata, mas tem que ser acelerada.
Esta visão coincide com a estratégia anunciada este mês de março pela União Europeia – REPowerEU – para travar a dependência do gás russo e diversificar as fontes de abastecimento. O caminho passa pela aposta no gás natural liquefeito e nos gases renováveis, como o biometano e o hidrogénio, sendo que este último duplicou agora a sua meta para 2030.
Não podemos deixar passar a oportunidade de investir no hidrogénio verde e aproveitar os recursos energéticos endógenos do país.
A energia nuclear está longe de ser a opção. Os custos de produção de eletricidade de origem nuclear são quatro vezes superiores aos da eólica e seis vezes mais caros que os do solar fotovoltaico.
A guerra veio lembrar-nos, da pior forma possível, que é preciso acelerar a aposta nas energias renováveis e tornar a eletricidade mais barata libertando-a dos grilhões dos combustíveis fósseis, assegurando a previsibilidade de preços e a segurança de abastecimento dos consumos e reduzindo a dependência energética.
Como sublinhou a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, a agenda verde deixou de ser meramente climática. Passou a assumir outras dimensões: não é só uma questão ambiental ou económica. Agora, mais do que nunca, é também uma questão de segurança, soberania e independência.
Foto de destaque por Karsten Würth