A barragem do Cabril, no Rio Zêzere, vai receber um projeto de energia solar flutuante ao longo de 33 hectares, a instalar pela empresa internacional de energias renováveis Voltalia.

Este tipo de infraestrutura, que recorre a espelhos de água para a montagem de painéis fotovoltaicos, está a ganhar protagonismo em diferentes países, surgindo como uma alternativa às tradicionais instalações fotovoltaicas em terra.

No caso do projeto do Cabril, localizado entre os concelhos de Pedrógão Grande (distrito de Leiria) e Sertã (Castelo Branco), representa uma capacidade total entre 33 e 40 megawatts com a energia aqui produzida a equivaler ao consumo de 70.300 habitantes.

em que consistem e como funcionam estes parques solares flutuantes? Quais as suas vantagens? Também apresentam desvantagens?

Com a necessidade de se fazer uma transição energética rumo a formas de produção energética mais limpas, a energia solar tem conhecido um boom nos últimos anos.

Embora os painéis solares montados no solo sejam a maneira mais comum de aproveitar a energia do sol, há outra opção que se está a tornar cada vez mais popular: a energia solar flutuante.

China © Sungrow

Os painéis solares flutuantes são um conceito relativamente novo. A primeira patente para este tipo de tecnologia solar foi registada em 2008. Desde então, os painéis solares flutuantes foram instalados predominantemente em países como China, Japão e Reino Unido. Mas Portugal já começa também a tê-los.

No Alqueva, o parque solar flutuante que foi inaugurado em julho deste ano pela EDP é composto por 12 mil painéis fotovoltaicos.

O parque ocupa 4 hectares, o equivalente a cerca de 0,016% da área total da albufeira do Alqueva, tendo uma potência instalada de 5 MW e capacidade para produzir cerca de 7,5 GWh por ano, significando que pode abastecer mais de 30% das famílias desta região no sul do país (Portel e Moura).

O projeto do Alqueva avançou após o sucesso do primeiro piloto iniciado no Alto Rabagão há cerca de sete anos. Aí foram instalados 840 painéis solares flutuantes no reservatório da central hidroelétrica no rio Rabagão com capacidade de 220 kW.

O Banco Mundial prevê que haverá uma explosão de energia solar flutuante nas próximas duas décadas, escrevendo no seu relatório de mercado “Where Sun Meets Water : Floating Solar Market Report” que “a energia solar flutuante oferece oportunidades significativas para a expansão global da capacidade de energia solar”.

A potência instalada através deste tipo de infraestruturas rondava os 3 GW em 2020, prevendo-se o seu crescimento para 10 GW em 2025.

Como funcionam?

Os sistemas solares flutuantes (em inglês, Floating solar system, ou FPV) são centrais produtoras de energia solar que flutuam na água. Pode ser montados em lagoas, lagos, reservatórios ou barragens. Tipicamente, grandes superfícies de água (calmas, de preferência).

Os painéis fotovoltaicos flutuantes são painéis solares que são montados numa estrutura flutuante.

Uma central de energia solar flutuante é composta por um módulo solar, material antiferrugem, estruturas verticais e horizontais, corpo de flutuação, apoio para os pés de inspeção e montagem do módulo.

O módulo solar precisa ser altamente resistente à humidade, à prova de poeira, sem chumbo e bem protegido dos efeitos da água. A flutuabilidade tem sido feita maioritariamente de polietileno que pode suportar 2,5 vezes o peso, mas já houve experiências feitas pela i.Cork factory, do Grupo Amorim, usando a mais sustentável (e portuguesa) cortiça. A estrutura flutuante é feita de revestimento de liga de magnésio, que é altamente resistente à corrosão.

A eletricidade solar gerada é transferida para um inversor central antes de chegar ao equipamento elétrico em terra através de cabos submarinos.

Fonte: Solar Energy Research Institute of Singapore (SERIS) na National University of Singapore (NUS). Adaptação Welectric.pt

A energia do inversor é enviada primeiro ao transformador para ser reduzida e depois alimentada ao sistema de transmissão para transporte ao utilizador final.

Tecnicamente, estas plataformas flutuantes podem ser facilmente rodadas horizontal e verticalmente para permitir o acompanhamento do sol (semelhante aos girassóis). Neste caso, os painéis solares móveis usam pouca energia e não precisam de um aparato mecânico complexo, como ocorre com as equivalentes centrais fotovoltaicas terrestres. De acordo com alguns cálculos, equipar uma planta fotovoltaica flutuante com um sistema de rotação solar custa pouco, enquanto o ganho de energia pode variar de 15% a 25%.

Foto: IFC/Banco Mundial

Este tipo de infraestrutura – parques solares flutuantes – possui muitas vantagens, entre as quais o dispensar terreno para ser erguida, o proporcionar o aumento da geração de energia e a sua facilidade de manutenção. Porém, também apresenta desvantagens.

As vantagens da energia solar flutuante

1. Não há necessidade de espaço terrestre: a central solar flutuante não precisa de nenhum espaço terrestre, isto numa altura em que os recursos terrestres e o solo são cada vez mais raros.

2. Aumenta a geração de energia: o facto de assentar sobre a água permite o arrefecimento dos painéis solares, o que garante uma maior eficiência de um painel solar quando as temperaturas sobem. A produção de energia neste tipo de infraestrutura pode, deste modo, ser aumentada em cerca de 11% de acordo com testes comparativos numa central solar flutuante de grande escala na província de Hyogo, no Japão.

3. Menos evaporação e proliferação de algas: A sombra que os painéis solares flutuantes produzem pode ajudar a reduzir a presença de algas que florescem e a perda de água por evaporação, que protegerá os recursos hídricos. Em climas áridos, como algumas zonas da Índia, a menor evaporação é uma vantagem importante, pois cerca de 30% da evaporação da superfície coberta pelos painéis é evitada.

4. Fácil manutenção: a central flutuante é construída sobre a água, o que pode reduzir a poluição por poeira. Os sistemas fotovoltaicos flutuantes habitualmente têm um passadiço de manutenção, útil para limpar os painéis solares.

5. Ponto turístico: os painéis fotovoltaicos bem organizados tornam-se pontos cénicos e “Instagramáveis”, atraindo muitos turistas e trazendo benefícios turísticos.

6. Evita as sombras: a superfície da água onde este tipo de projetos é montado é relativamente aberta, o que significa que têm uma exposição solar maximizada para o local, estando mais imune à sombra de árvores ou de montanhas.

7. Conveniente para o consumo de eletricidade: é conveniente para algumas vilas e cidades fechadas à água, porque a eletricidade pode ser consumida nas proximidades, segundo um conceito de produção local de eletricidade.

As desvantagens da energia solar flutuante

1. Elevados requisitos para o sistema de fixação: o sistema solar flutuante precisa manter os painéis solares na água por mais de 25 anos, por isso requer que toda a estrutura, incluindo as fixações, tenha uma elevada resistência à corrosão e à carga para garantir a sua longevidade.

2. Custo mais alto: A instalação de um painel solar flutuante pode exigir mais 20-25% de custos do que as instalações de painel solar mais tradicionais, envolvendo flutuadores, sistemas de ancoragem no fundo do lago. Como esta é uma tecnologia de energia solar relativamente nova, ela requer equipamentos de energia solar especializados e maior conhecimento especializada de instalação de painéis solares. O custo de construção de uma central solar flutuante numa área com ventos fortes e ondas será maior do que num local calmo.

3. Aplicação limitada: Esta tecnologia não se adequa a todos os fins. As instalações solares flutuantes são, por regra, de grande escala e fornecem eletricidade para grandes comunidades, empresas ou empresas de serviços públicos. Se um particular pretende energia solar, a escolha por uma instalação de telhado ou por uma outra estrutura solar montada no solo é mais prática e económica.

4. Perturbação da vida aquática: A instalação fotovoltaica evita que a luz solar penetre na superfície da água na zona onde está inserida, limitando assim a vida selvagem dentro da água. A estrutura física também pode ferir os animais – por isso, recomenda-se que os painéis sejam instalados em lagos artificiais e reservatórios com pouca fauna.

Quais os países com mais centrais solares flutuantes?

Com alta densidade populacional, escassez de terras e terrenos montanhosos, a Ásia continua a liderar a implantação de painéis solares flutuantes, com países como China, Índia e Coréia do Sul a posicionarem-se para responderem por cerca de dois terços da procura global por energia produzida por este tipo de equipamentos.

A cidade chinesa de Dezhou – o ”Vale Solar” da China – construiu uma central fotovoltaica flutuante de 320 MW no topo de uma piscicultura, sendo a maior do mundo deste género.

A 17 de agosto de 2022, o Operational Land Imager-2 (OLI-2) no Landsat 9 capturou esta imagem em cores naturais deste novo sistema solar flutuante num reservatório perto de Dezhou, na província chinesa de Shandong.

Esta central solar está integrada no projeto da cidade para se descarbonizar.

O projeto de Huaneng não manterá, contudo, o seu título por muito tempo, já que uma central fotovoltaica flutuante de 600 MW está programada para ser montada no rio Narmada, Índia, para começar a operar no estado indiano de Madhya Pradesh no próximo ano.

Qual o potencial destes parques flutuantes?

Segundo os investigadores, cobrir 10% dos reservatórios hidroelétricos do mundo com painéis solares flutuantes poderia produzir 4.000 gigawatts de capacidade de geração de energia, equivalente à capacidade de geração de eletricidade de todas as fábricas de combustível fóssil em operação em todo o mundo.

No caso dos EUA, por exemplo, investir em energia solar flutuante em cerca de um quarto dos 24.000 reservatórios de água nos EUA produziria cerca de 10% da eletricidade que os norte-americanos geram agora, calculou a equipa de pesquisa do U.S. National Renewable Energy Laboratory (NREL).

Uma equipa de investigadores de energia renovável, num artigo publicado em junho na revista Nature, observou que a capacidade instalada de energia solar flutuante no mundo é de cerca de 3 gigawatts, em comparação com mais de 700 gigawatts para sistemas terrestres.

No entanto, reservatórios de água em todo o mundo – que coletivamente cobrem uma área do tamanho da França – oferecem um espaço considerável para a expansão da capacidade de energia renovável solar.

Assim, atendendo a este potencial por explorar, os próximos tempos, por isso, deverão ficar marcados pela implementação de novos projetos flutuantes, à escala mundial. E nalguns casos, o passo seguinte é combinar esta produção fotovoltaica com a produção eólica.

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