Com o Orçamento de Estado (OE) para 2023 a entrar na reta final (a votação final global na Assembleia da República acontece a 25 de novembro), a associação Zero deixa um conjunto de propostas na esperança que ainda possam ser discutidas e acolhidas pelos grupos parlamentares.
Taxa sobre embalagens de plástico colocadas no mercado – financiamento da taxa europeia sobre embalagens de plástico não recicladas
No âmbito das discussões sobre o orçamento da União Europeia (UE) para o período entre 2021-2027, foi estabelecida, com aplicação desde 2021, uma taxa de 0,8€ por quilograma ou 800€ por tonelada sobre as embalagens de plástico não recicladas em cada país.
Os dados mais recentes disponibilizado pelo Eurostat sobre a taxa de reciclagem de embalagens de plástico em Portugal, que datam de 2020, apontam para cerca de 34% (dados ainda a aguardar validação pela Comissão Europeia).
Deste facto decorre que 66% das embalagens de plástico colocadas no mercado português a cada ano ou são enviadas para aterro ou são incineradas e, portanto, estão sujeitas à taxa europeia sobre embalagens de plástico não recicladas. Tal acarreta um custo para Portugal de muitos milhões de euros/ano, que não podem ser um encargo para o OE.
A ZERO propõe que, a partir de 1 de janeiro de 2023, seja aplicada uma taxa a todas as embalagens de plástico colocadas no mercado português de forma a assegurar o pagamento deste valor à UE.
Eliminar os subsídios que prejudicam a Economia Circular – terminar a subsidiação da incineração de resíduos urbanos
O Ministério do Ambiente e da Ação Climática decidiu, através de duas portarias, estabelecer a subsidiação da energia produzida através da queima de resíduos. Na portaria 244/2020 estabelece este apoio até 2023 e na 308C/2020 estende-o até 2024.
Através destas duas portarias, a Secretaria de Estado da Energia optou “de forma deliberada” por subsidiar até 2024 a incineração de resíduos urbanos efetuada na Lipor e na Valorsul, recorrendo para isso a verbas do Fundo Ambiental.
De acordo com a estimativa divulgada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), esse financiamento público orçaria inicialmente em cerca de 53 milhões de euros durante 4 anos (2020 a 2023). No entanto, com a extensão do prazo até 2024, esse valor pode ser estimado em cerca de 73 milhões de euros.
“O uso de recursos públicos tão avultados para subsidiar uma operação de gestão de resíduos que não contribui para a Economia Circular é totalmente contrária aos interesses do país em termos de gestão de resíduos, de combate às alterações climáticas e ainda em termos de coesão nacional”, afirmam os ambientalistas.
A ZERO propõe que no OE para 2023 seja retirada a verba inserida no Fundo Ambiental destinada ao financiamento da incineração e que a mesma seja alocada ao apoio a ações e projetos que visem promover a redução, reutilização e reciclagem dos resíduos urbanos.
Reforçar os sinais para os operadores económicos e os cidadãos da urgência da transição para a economia circular
Na área da utilização de produtos descartáveis, nomeadamente das embalagens, recipientes para comida e copos para bebidas têm sido dados passos importantes, entende a ZERO, mas ao mesmo tempo alguns deles têm conduzido à substituição de materiais e não tanto à redução da produção de resíduos e de utilização de recursos naturais na sua produção. “Não basta mudar de um material para o outro. É, do nosso ponto de vista, fundamental mudar a forma como os produtos são oferecidos aos consumidores”, salienta a associação.
Neste contexto, a ZERO propõe que o OE preveja que na área do pronto a comer, não obstante estar já em aplicação em 2022 uma taxa de 30 cêntimos aos recipientes para comida em plástico ou contendo plástico, o mesmo acontecendo com o mesmo tipo de recipientes em alumínio a partir de janeiro de 2023, “consideramos que estão criadas as condições para propor que a partir de janeiro de 2024, seja generalizada a aplicação da taxa a todos os recipientes para comida e copos, independentemente do material em que são produzidos, quando não sejam reutilizáveis segundo a definição constante na Lei. Consideramos esta medida necessária a partir do momento em que os estabelecimentos que tenham serviço de pronto a comer passam a estar obrigados a disponibilizar soluções reutilizáveis (janeiro de 2024)”.
Taxa de Gestão de Resíduos pelo incumprimento de taxas de reciclagem
“Existem situações muito bem documentadas de falhas reiteradas no cumprimento de metas de reciclagem de resíduos, nomeadamente na área dos fluxos específicos, sendo a área dos resíduos de equipamento elétrico e eletrónico uma das situações mais gritantes”, alertam os ambientalistas.
No entender da ZERO, “é importante dar sinais claros às entidades gestoras de que é necessário investir mais para garantir uma economia circular funcional e eficaz em Portugal, o que trará enormes benefícios e contribuirá para uma maior resiliência do país a crises na área das matérias primas e energia. Uma das formas mais eficazes é a aplicação da taxa de gestão de resíduos (TGR) sobre as quantidades de resíduos não recolhidas devido ao incumprimento das metas”, algo que poderia constar no OE.
A proposta da ZERO é a de que seja aumentada a TGR paga por incumprimento das metas por parte das entidades gestoras dos diversos fluxos de resíduos enquadrados no âmbito da responsabilidade alargada do produtor, de forma a estimular novas estratégias que permitam cumprir as metas.
OE com apoio às energias renováveis, em vez de subsídios aos combustíveis fósseis
O Governo apresentou um pacote de medidas para apoio às empresas e famílias face ao aumento dos custos da energia, reduzindo o impacto desses aumentos e, assim, a pressão para uma redução acentuada do consumo. No entanto, “não existe um reforço financeiro para uma fiscalização adequada do uso dos apoios ou a sua condicionalidade a medidas de redução de consumo ou de eficiência energética junto desses consumidores”, evidencia a ZERO que complementa a sua análise ao OE: “A par ou mais do que medidas para manter uma estabilidade de preços, seria interessante aproveitar a oportunidade para fomentar a redução da dependência de combustíveis fósseis através da instalação/ampliação de produção própria com energia renovável, uma vez que Portugal tem amplo – mas desaproveitado – potencial de produção solar descentralizada, quer de eletricidade quer de água quente solar, nas coberturas dos edifícios de habitação e serviços”.
A ZERO defende que, no âmbito dos benefícios fiscais, deve existir uma valorização para as empresas que instalem sistemas de energia renovável ou que ampliem as instalações existentes. “Para os particulares, esses benefícios fiscais poderiam passar por favorecer o autoconsumo coletivo e as comunidades de energia renovável, reduzindo dependências e estabilizando preços. Estas medidas devem ainda ser enquadradas na publicação da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética”, diz a ZERO.
OE 2023 não reflete os objetivos de descarbonização do setor dos transportes
O setor dos transportes rodoviários (público e privado) é dominado por veículos a combustão de gasóleo e gasolina, e por isso é o maior responsável por emissões de gases de efeito de estufa em Portugal, representando cerca de 25% das emissões de CO2eq. Para além das emissões de CO2, a combustão do gasóleo e gasolina emite poluentes atmosféricos muito nocivos para a saúde humana especialmente em meio urbano, tais como NOx e partículas finas.
Em termos de propostas para o OE, a ZERO discorda do desagravamento proposto no OE2023 da tributação autónoma (TA) para os veículos ligeiros híbridos plug-in, “pois estes são veículos que na sua utilização prática são tão ou mais poluentes que um veículo a combustão não-híbrido. Os veículos 100% elétricos são claramente os com menor impacto ambiental, sendo por isso a única alternativa que deve ser incentivada”, considera a associação.
“Também não podemos concordar com o reembolso parcial do imposto sobre o gasóleo e gás profissional, no caso de empresas de transporte de mercadorias e transporte coletivo de passageiros. A ZERO critica esta medida por levar ao prolongamento de veículos a combustíveis fósseis em circulação. Em alternativa, a ZERO sugere incentivos à conversão das frotas que usam combustíveis fósseis para frotas elétricas ou a hidrogénio verde, acompanhado por um aumento dos postos de carregamento e de abastecimento de hidrogénio para veículos pesados”.
A ZERO propõe ainda que “seja utilizada uma parte dos impostos sobre produtos petrolíferos (ISP), para além daqueles que estão destinados ao fundo ambiental, em apoios à melhoria da circulação pedonal, aquisição de bicicletas incluindo elétrica, construção de redes pedonais e cicláveis bem como de redes de bicicletas partilhadas”.
Taxa de recursos hídricos (TRH) deve ser atualizada para a agricultura e para a produção hidroelétrica
“A desigualdade na aplicação dos valores da Taxa de Recursos Hídricos (TRH) tem resultado num esforço acrescido a recair sobre o setor urbano e em particular sobre os utilizadores domésticos que contribuem com 68,4% das receitas daí advindas, quando consomem cerca de 13% dos volumes captados, enquanto que o setor agrícola, responsável por mais de 70% dos volumes de água captados, contribui em 4,9 % para as receitas com a TRH, segundo dados divulgados nos planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH – 3.º Ciclo)”, aponta a ZERO.
A atualização dos valores da TRH no OE “é uma necessidade que se verifica também para o setor hidroelétrico, tendo em conta a receita anual da TRH proveniente deste setor (0,5 M€), representando 1,3% da receita total. Mais uma vez estamos perante um valor desproporcionalmente baixo face ao que é cobrado aos utilizadores domésticos e irrisório em face aos impactes ambientais dos aproveitamentos hidroelétricos, que resultam fundamentalmente de uma artificialização do meio hídrico e da alteração do normal regime de caudais, muitas vezes associada à não promoção de caudais ecológicos”, comentam os ecologistas.
Neste contexto, a ZERO propõe um conjunto de medidas no OE que, na sua perspetiva, “contribuirão para maior justiça no esforço financeiro dos diferentes setores e incentivo na gestão sustentável da água”.
Implementação do Programa Nacional de Regadios
“O Governo tem sido intransigente quanto à política de desenvolvimento rural assente em grandes aproveitamentos hidroagrícolas (AH) de iniciativa estatal, insistindo numa lógica de investimento público assente em premissas do século passado, quase literalmente quando se trata de obras aludidas no antigo Plano de Rega do Alentejo. O não reconhecimento das parcas mais-valias públicas destes projetos, face a impactes socioambientais graves, tem sedimentado pressupostos falsos quanto ao resultado destas políticas, de que são marca expressiva a ideia do contributo para a fixação demográfica através de uma franca melhoria das economias locais”, refere a ZERO.
A realidade, dizem os ecologistas, “é bem díspar. Por exemplo, o investimento público é aproveitado por uma minoria de beneficiários diretos, ligados a uma agricultura de base fundiária e ao agronegócio, deixando de fora a maior parte dos agricultores e territórios rurais, com parco investimento público que incida sobre as suas necessidades e desafios. O fomento do regadio coletivo de iniciativa estatal tem absorvido a maioria do investimento público estratégico, criando de forma artificial assimetrias que prejudicam a competitividade interna da agricultura naciona”l. Neste contexto, a ZERO propõe, entre outras medidas, que sejam suspensos os projetos de regadio coletivo de iniciativa estatal e seja feita uma pós-avaliação alargada e isenta da aplicação do Programa Nacional de Regadios.