Devido ao aumento da população à escala global e à longa dependência das energias fósseis, o planeta enfrenta agora as consequências das alterações climáticas. Fenómenos climáticos extremos, como longos períodos de seca ou de chuva intensa resultando em inundações e dilúvios, são cada vez mais frequentes. Por outro lado, a subida do nível de água do mar devido à expansão térmica dos oceanos e ao degelo dos glaciares irá impactar significativamente toda a atividade antropogénica nas regiões costeiras, mas também toda a biodiversidade dos habitats marinhos.
Em 2015, na Convenção Quadro das Nações Unidas, Portugal, juntamente com a maior parte dos países do mundo, assumiu o compromisso de atingir a neutralidade carbónica em 2050. Para tal, é necessário o desenvolvimento e melhoramento de tecnologias limpas, de geração e armazenamento de energia, como painéis solares, turbinas eólicas e baterias eficientes. No entanto, estas tecnologias são dependentes de elementos como o lítio, cobalto, terras raras, tungsténio, entre outros, cuja exploração mineira é altamente poluente. São necessárias estratégias para mitigar a exploração desenfreada de recursos mineiros, reciclar lixo eletrónico rico nestes metais, bem como a procura de materiais alternativos mais sustentáveis e amigos do ambiente.
Há muito que estudo possíveis aplicações biotecnológicas das algas marinhas e acredito que estas poderão dar um importante contributo na mitigação dos impactos negativos da transição energética.
As algas têm uma elevada capacidade de adsorção/absorção de poluentes da água, o que faz destes organismos excelentes bioremediadores naturais. Por outro lado, a biomassa algal pode ser utilizada para produzir materiais biocarbonizados (carvões obtidos a partir de material biológico por processos de pirólise), para posterior aplicação em sistemas de purificação de águas. Os minerais obtidos da água do mar, como o magnésio, sódio e potássio, conferem aos biocarbonizados derivados de algas uma elevada capacidade de troca iónica, o que permite a absorção de vários poluentes, principalmente iões metálicos, os quais poderão ser recuperados a posteriori e reutilizados.
Outro atributo extremamente interessante destes biocarbonizados, e que tem despertado o interesse da comunidade científica, diz respeito às suas propriedades eletroquímicas. Estes materiais são ricos em carbono, estão organizados numa nanoestrutura em rede interconectada, são quimicamente estáveis, possuem uma elevada área de superfície específica, peso leve, elevada porosidade e condutividade, o que os torna excelentes candidatos para o desenvolvimento de dispositivos eletrónicos mais eficientes, como supercondensadores, reduzindo a dependência de materiais críticos como o grafeno.
Uma grande vantagem destes materiais, quer seja para serem usados como agentes filtrantes, quer seja como matéria-prima para o desenvolvimento de novos materiais eletroquímicos, é que poderão ser obtidos em contexto de biorefinaria, ou seja, numa primeira fase as algas poderão ser usadas para extração de compostos bioativos com diferentes aplicações biotecnológicas, e o resíduo remanescente ser então transformado em biocarbonizados, resultando num processo económica e ambientalmente sustentável.
Dada a importância desta temática, publiquei recentemente um artigo de revisão na revista Biology – Seaweed’s Role in Energetic Transition—From Environmental Pollution Challenges to Enhanced Electrochemical Devices – onde abordo os desafios ambientais associados à transição energética, destacando o surgimento de novos materiais alternativos para o desenvolvimento de tecnologias de energia mais limpa e estratégias de reciclagem de lixo eletrónico, tendo por base um valioso recurso ainda muito pouco aproveitado: as algas marinhas.
Foto de destaque por Brian Yurasits na Unsplash