O biometano é um gás renovável produzido pela chamada digestão anaeróbia de matéria orgânica, provinda de resíduos vegetais, efluentes pecuários ou esgotos urbanos, por exemplo. No contexto da transição energética e da descarbonização, o biometano é visto como podendo ter um papel importante enquanto forma de descarbonização da rede de gás fóssil (gás natural) e indústria.

Numa altura em que esteve em consulta pública a primeira versão do Plano de Ação para o Biometano 2024-2040, os ambientalistas da Zero consideram que resíduos que se transformam em energia é “uma boa ideia, mas é preciso corrigir erros do passado”

A Zero enaltece o incentivo à produção de biometano através da digestão anaeróbia de resíduos, previsto para os próximos anos no plano: “Para além das vantagens evidentes de produção de um biocombustível a partir de matéria já disponível, este poderá ser um incentivo importante para a gestão correta dos resíduos sólidos urbanos e efluentes pecuários, ajudando a reduzir as suas emissões”.

Em relação aos resíduos sólidos urbanos, “de acordo com a Diretiva-Quadro dos Resíduos da União Europeia, todas as câmaras municipais já deveriam ter definido e implementado um sistema de recolha de biorresíduos. Mas Portugal continua muito atrasado, o que condiciona o cumprimento da diretiva e a produção de biometano”, denuncia a Zero para quem a sensibilização não é suficiente, propondo medidas concretas, tais como “tornar obrigatório no regulamento municipal a separação na origem dos biorresíduos, simplificar o processo para o utilizador, com a distribuição de contentores adequados, combinado com a utilização de sacos compostáveis e uma frequência de recolha de duas-três vezes por semana, aplicando o princípio do poluidor-pagador”. A este propósito, a Zero mantém o alerta de que uma fraca aposta dos municípios na recolha porta-a-porta de biorresíduos “perpetuará incumprimento de metas da reciclagem”.

é importante Impedir corte de árvores saudáveis para produção de biometano, dizem os ecologistas

Em relação à utilização de resíduos florestais na produção de biometano, a Zero alerta para “o potencial risco da utilização de madeira nobre como resíduos, assim como a ausência de critérios que impeçam o corte de árvores saudáveis e valiosas para alimentar a produção de biometano, como acontece recorrentemente na produção de pellets. A qualidade e origem destes resíduos deve ser devidamente fiscalizada”.

A Zero considera positivo o aproveitamento de dióxido de carbono biogénico para produção de combustível, como sugerido pelo Plano de Ação para o Biometano, no entanto considera potencialmente menos interessante utilizar hidrogénio verde para a produção de biometano, havendo outros métodos para o fazer.

o biometano é uma boa solução para os resíduos sólidos urbanos. contudo, há, aspetos que merecem uma análise cuidada

Os ambientalistas questionam se, tendo em conta o balanço energético e económico, i.e., a energia e valor económico retirados do biometano resultante, a energia e o investimento iniciais para produzir as respetivas matérias primas têm retorno.

Como alternativa, a Zero sugere que “possa ser avaliada a possibilidade de o dióxido de carbono biogénico e algum hidrogénio verde, produzido nas imediações, sejam canalizados para a produção de combustíveis sintéticos, necessários para a descarbonização dos sectores da aviação e transporte marítimo”. Em relação à produção de biometano através da gaseificação de resíduos florestais, “a tecnologia ainda não está desenvolvida o suficiente para garantir a sua viabilidade, pelo que a Zero aguarda o seu amadurecimento para formar um parecer fundamentado”.

Localização dos centros de produção de biometano

“Considerando que o gás fóssil está com um pé de saída no cenário energético e industrial do país, a Zero reprova a construção de nova infraestrutura de transporte ou distribuição de gás, pelos indiscutíveis riscos de perpetuação desses investimentos. Por isso, contrariamente ao que sugere o Plano de Ação para o Biometano, a Zero defende que a construção de centros de produção de biometano não devem incluir construção de nova infraestrutura de transporte ou distribuição de gás, pelo que deverão localizar-se preferencialmente em locais onde a infraestrutura já se encontra disponível”.

Os ecologistas salientam que é necessário assegurar o transporte sustentável da matéria-prima (resíduos) e do fertilizante (sub-produto que é obtido na produção do biometano), nomeadamente por rede ferroviária. Caso contrário, há “o risco de o balanço entre o combustível gasto para transportar os resíduos e o combustível obtido ser pouco interessante em relação às alternativas. A produção de biometano próxima dos locais de origem da sua matéria prima é fundamental para reduzir a pegada do transporte, e o fertilizante deverá ser igualmente utilizado o mais localmente possível”.

Rede de gás fóssil

As metas de integração de biometano na rede de gás fóssil são de 9,1% em 2030 e 18,6% em 2040. “Especialmente no caso do valor em 2040, é um valor muito baixo e incompatível com a neutralidade climática em 2045 ou antes. Para ser compatível, em 2040 devemos ter uma utilização já reduzida da rede de gás e, a que subsistir, deve ser inteiramente à base de biometano”, defende a Zero.

No caso da rede doméstica, a associação ambientalista considera que a sua descarbonização deverá assentar numa redução do consumo, por via da suficiência e eficiência energéticas; numa eletrificação dos consumos; e, o que não é viável eletrificar, deve-se biometanizar, pois a rede é compatível com 100% de incorporação de biometano.

Biometano para descarbonizar os transportes?
No setor dos transportes, a Zero alerta para risco de o biometano ser utilizado como “branqueamento da perpetuação de veículos privados adquiridos com o selo de ‘amigos do ambiente’. A compra de quaisquer veículos privados não deverá ter incentivos, ainda mais no caso da compra de veículos a combustão”.
Ao invés, defende a Zero, “os incentivos deverão ir no sentido do investimento em transporte público eletrificado, e da reconversão de veículos a combustão para veículos elétricos. O biometano poderá ser utilizado como combustível nos veículos que atualmente já circulam movidos a gás fóssil. Contudo, a combustão de biometano não está livre de emissões que afetam a qualidade do ar, pelo que a circulação de veículos a biometano terá consequências negativas para a saúde. Biometano poderá também ser um combustível para os veículos pesados de recolha de lixo que já usam gás fóssil, cuja mensagem deverá servir de incentivo para a triagem de resíduos por parte da população”.

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