Esta terça-feira foi o primeiro dia da XVI legislatura e, à parte a polémica da eleição do Presidente da Assembleia da República, houve já cerca de quatro dezenas de iniciativas legislativas de vários partidos a darem entrada no Parlamento e, dessas propostas, uma destacou-se, apresentada pelo PAN Pessoas-Animais-Natureza: uma recomendação “ao Governo que cumpra o disposto na Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, e leve a cabo as diligências que nesse âmbito são colocadas sob sua competência” (Projeto de Resolução 5/XVI/1).
O Projeto de Resolução 5/XVI/1 (trata-se de uma recomendação, sem força de lei) pede que o novo Governo liderado por Luís Montenegro dê cumprimento a várias disposições previstas na Lei de Bases do Clima, entre as quais “a criação e disponibilização do portal da ação climática” ou a “apresentação à Assembleia da República de uma revisão das normas que regulamentam a concessão, prospeção e exploração de hidrocarbonetos”.
Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN, “exorta à adoção das diligências necessárias à criação do Conselho para a Ação Climática”, em cumprimento com o disposto na lei.
Na exposição de motivos, o PAN afirma que a Lei de Bases do Clima, aprovada por via da Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, entrou em vigor a 1 de fevereiro de 2022, contudo, as diversas disposições nela prevista e que teriam de estar implementadas no prazo de um ano a contar daquela data, “continuam ao que sabemos por executar”.
“A Lei de Bases do Clima veio consagrar um conjunto de avanços – como a previsão da possibilidade de antecipação das metas de neutralidade carbónica para 2045 – e de inovações jurídicas – como o reconhecimento do clima como património comum da humanidade ou a criação de novos direitos ambientais –, sendo dotada de uma visão holística que entende que os desafios colocados pela emergência climática têm implicações diversas e a diversos níveis das nossas vidas. A adoção de uma tal lei constituiu, por conseguinte, um importante passo no combate à emergência climática que estamos a viver e um compromisso geral no sentido da existência de políticas públicas alinhadas com esse combate e com o respeito pela evidência científica”.
O PAN defende ainda a adaptação da Lei de Enquadramento Orçamental às exigências relativas ao processo orçamental e à fiscalidade verde para que exista uma avaliação prévia de impacto climático para todas as iniciativas legislativas que dão entrada na Assembleia da República.
Contudo, escreve Inês de Sousa Real, “para que estes importantes avanços consagrados na Lei de Bases do Clima se consubstanciem em mudanças efetivas é necessário que saiam do papel e se tornem efetivos, algo que tarda em suceder”.
Por cumprir estão, assim, “no momento da apresentação da presente iniciativa, um conjunto de oito pontos da Lei de Bases do Clima, que estão na estrita responsabilidade do Governo e que ao ficarem por cumprir praticamente deixam o essencial desta Lei na gaveta”.
De entre estes pontos, o PAN destaca especialmente três.
Portal da Ação Climática
O primeiro ponto que está por cumprir é a criação e a disponibilização do portal da ação climática, previsto no artigo 10.º da Lei de Bases do Clima.
De acordo com o estipulado nesta lei, este portal na internet deveria disponibilizar, de forma gratuita e acessível, desde o dia 1 de fevereiro de 2023, um conjunto de informação designadamente sobre as emissões de gases de efeito de estufa e os setores que mais contribuem para essas emissões, o progresso das metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa, as fontes de financiamento disponíveis para ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas, para os setores público e privado, e respetivo estado de execução, ou as metas e compromissos internacionais a que o Estado português está vinculado. “Ao prever a criação deste portal a Assembleia da República procurou fomentar uma maior participação cidadã na ação climática por via de uma maior transparência em matéria ambiental e climática”, afirma Inês de Sousa Real.
Orçamentos de Carbono
O segundo dos pontos mais importantes que estão por cumprir “é a ausência de elaboração por parte do Governo dos orçamentos de carbono para o período 2023-2025 e para o quinquénio 2025-2030, nos termos previstos no n.º 8, do artigo 20.º, da Lei de Bases do Clima”. Estes orçamentos são um instrumento “crucial para que se possa alcançar a antecipação das metas de neutralidade carbónica para 2045 prevista na Lei de Bases do Clima, uma vez que, por esta via, serão estabelecidos limites de emissões de gases de efeito de estufa”.
Restrição da produção e venda de combustíveis com óleo de palma
O terceiro ponto diz respeito à restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis “que, nos termos previstos na alínea b), do artigo 44.º, deveria estar em vigor desde dia 1 de janeiro de 2023”.
Neste primeiro dia de trabalhos parlamentares, o PAN deu entrada também de uma iniciativa legislativa que prevê a defesa do alargamento da “tutela criminal dos animais, alterando o Código Penal” (Projeto de Lei 8/XVI/1).
“Esta omissão é especialmente grave porque, segundo a organização não-governamental Zero, nos três primeiros semestres do ano 2021, a produção nacional e a importação de biocombustíveis resultaram em mais de 42 milhões de litros de biodiesel produzidos a partir de óleo de palma e resíduos de palma, cerca de 13,28% do biodiesel, e que, no ano de 2022, para além de se ter mantido esta trajetória de aumento de utilização deste tipo de combustíveis, foram previstos um conjunto de incentivos fiscais através da isenção do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, da Contribuição do Serviço Rodoviário e da Taxa de Carbono, que deram um bónus fiscal de vários milhões de euros a este tipo de combustíveis”, denuncia o PAN.
“O não-cumprimento pelo Governo da Lei de Bases do Clima no que se refere à restrição de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma no nosso país, para além de ser um desrespeito pela vontade da Assembleia da República, representa um inadmissível incentivo à indústria de palma, que é responsável por um processo devastador de desflorestação (40% da desflorestação a nível global), pelo agravamento dos perigos para espécies em risco (como o orangotango) e por uma cultura insustentável do ponto de vista ambiental (já que estas plantações apenas armazenam um terço do carbono comparativamente com as florestas autóctones e que se estima que o desmatamento da floresta com fogo resulte em emissões adicionais entre 207 a 650 toneladas de carbono por hectare)”, clarifica o PAN.
Citando a Zero, segundo a qual “a existência da lei tem de se consubstanciar em ações e medidas concretas, sob pena de não passar de um conjunto de intenções”, o PAN pretende garantir que o novo Governo cumpre o disposto na Lei de Bases do Clima, aprovada pela Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro, e leva a cabo as diligências que, nesse âmbito, são colocadas sob sua competência.