Aproveitando os 50 anos do 1º de maio de 1974, que foi a primeira grande manifestação popular após a “revolução dos cravos”, um conjunto de associações civis elaborou um manifesto em que apela a que se coloque em primeiro plano o tema dos transportes coletivos.

“Nos 50 anos da Revolução de Abril, há muitas liberdades por conquistar, como a de nos movimentarmos fácil e sustentavelmente”, referem as oito associações subscritores do manifesto: Campanha Empregos para o Clima (Grupo de Trabalho de Transportes); ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável; Vida Justa; Movimento Cívico pela Estação Nova (Coimbra); Movimento SOS Terras do Cávado; STFPSN – Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte; Climáximo; e MUBI – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta.

“Continuamos presos a um modelo de mobilidade assente no transporte motorizado rodoviário individual”

“A justiça climática exige transportes movidos de forma sustentável, acessíveis e cujo custo não exclua ninguém, que sirva toda a gente, que crie emprego qualificado e com direitos, que permita avançar para uma sociedade e uma economia livre de combustíveis fósseis. Deve ser considerado o objetivo de alargar a todo o território a gratuitidade dos transportes públicos, desde que garantido o investimento necessário para tornar o automóvel individual dispensável”, defende este movimento associativo que se propõe “continuar a Revolução dos Cravos”.

“Continuamos presos a um modelo de mobilidade assente no transporte motorizado rodoviário individual, dependente de combustíveis fósseis, em que o transporte público e a mobilidade ativa é marginalizada. Cerca de um terço das emissões de gases com efeito de estufa no nosso país deve-se aos transportes, com tendência a aumentar. Não há forma de cumprir as metas para a neutralidade carbónica sem um fortíssimo aumento do investimento público na promoção de uma mobilidade inclusiva, eficaz e eficiente. Se os governos anteriores não estiveram à altura, o atual também não tem planos para o esforço necessário para alterar os padrões de mobilidade dos portugueses”, afirmam os subscritores.

Para estas oito associações, “o investimento em transportes públicos de qualidade – regulares, frequentes, cómodos, fiáveis, flexíveis, interligados – mitiga a ameaça representada pelos combustíveis e aproxima os locais de residência dos de trabalho, o litoral do interior, as periferias dos centros urbanos, a população dos serviços públicos, as pessoas umas das outras. Investimento em transportes com horários abrangentes, interfaces funcionais, ligando as grandes, médias e pequenas cidades, mas também estruturando as zonas não urbanas, as cidades e as áreas metropolitanas. Da mesma forma, a garantia de segurança e conforto para quem escolhe a mobilidade ativa (bicicleta e a pé) deve ser uma prioridade. Aproximar as pessoas, ganhar tempo de vida e trabalhar para um planeta que se mantenha habitável é um só objetivo, uma mesma via”.

“o investimento em transportes públicos de qualidade mitiga a ameaça representada pelos combustíveis”

Este manifesto salienta que “nada disto se faz sem dezenas de milhares de trabalhadores. A projetar, a construir, guiar, administrar os sistemas de transportes e infraestruturas seguras, a proteger os direitos dos utentes ou a comunicar. Atrair milhares de pessoas qualificadas para fazer da mobilidade limpa um desígnio nacional implica condições de trabalho justas, salários atrativos, contratação coletiva e direito real à sindicalização. Isso hoje não é uma realidade no setor dos transportes e, por isso, tem havido lutas, protestos e greves. Apoiamos os trabalhadores da ferrovia e dos transportes na prossecução de condições laborais dignas. Como noutros serviços públicos, a mobilidade coletiva não avança sem valorizar quem nela trabalha”.

Estas organizações apontam que decidiram juntar-se “por uma mobilidade para todos, movida pelo nosso corpo ou por energias renováveis, assente em empregos públicos, dignos, estáveis e bem pagos. Somos ativistas pela transição justa, sindicalistas e trabalhadores, utentes e membros de movimentos por uma mobilidade para toda a gente. Unimo-nos porque um novo ciclo político não pode significar hesitações ou recuos, mas antes fazer da mobilidade limpa para todos, pelo clima e por quem nela trabalha, um desígnio nacional urgente”.

Os 10 pontos defendidos pelo manifesto “todos a bordo”

“Defendemos:

Uma visão integrada do sistema de transporte público, regular e flexível, que encoraje a intermodalidade com a mobilidade activa e torne mais competitivo  o tempo de viagem do transporte de passageiros face ao transporte individual, com custos muito mais baixos para os cidadãos e as empresas, e que se concretize num setor de transportes livre de combustíveis fósseis.

Expandir o número de comboios metropolitanos, regionais e internacionais, de modo a aumentar significativamente a acessibilidade por ferrovia e reduzir o uso do transporte rodoviário e aéreo.

Ligar através de um sistema ferroviário moderno e eficiente todas as capitais de distrito, todos os aeroportos internacionais, todos os concelhos com mais de 200 habitantes por quilómetros quadrados, todas as plataformas logísticas de base agrícola, industrial ou comercial, e todos os portos.

Desencorajar ou mesmo proibir, no mais curto espaço de tempo possível, todas as viagens aéreas em distâncias inferiores aos 700 quilómetros na Península Ibérica, privilegiando a alta velocidade ferroviária a preços inferiores.

Expandir as redes de metro e de comboios suburbanos nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e noutras zonas urbanas, reduzindo a necessidade de transbordos, promovendo um aumento significativo da acessibilidade em modos ativos a interfaces e uma redução drástica do recurso ao transporte motorizado individual.

Para o transporte de passageiros, autocarros sem motor de combustão, alimentados por fontes de energia renovável, para curtas distâncias que implicam paragens mais frequentes nas zonas urbanas, bem como ligações entre as cidades médias/pequenas e outros territórios de menor densidade, e sistemas de mobilidade flexível partilhada para quando não se justificar a alocação de um autocarro.

Para o transporte de mercadorias, os veículos ligeiros elétricos podem garantir as entregas do “primeiro e último quilómetros”, entre o terminal ferroviário e o destino (fábrica, hipermercado), e as entregas domiciliárias dos produtos nas zonas residenciais.

Para todas as viagens de curta distância, deve haver espaço confortável e seguro para bicicletas e peões, o que implica um ordenamento diferente das zonas residenciais e de comércio, atualmente desenhadas para a circulação automóvel.

Salários dignos, estabilidade laboral, respeito pela contratação coletiva e resposta positiva às exigências laborais dos trabalhadores dos transportes que se têm mobilizado.

A mobilidade sustentável é uma oportunidade de criação de milhares de postos de trabalho, no setor público, na construção, manutenção, fabricação, digitalização, condução e outros serviços essenciais para o cumprimento deste plano, integrando prioritariamente e sem perdas de direitos os trabalhadores de indústrias poluentes. Portugal possui características singulares que o tornam atrativo para a instalação e desenvolvimento da indústria ferroviária que neste momento já emprega cerca de 7 mil trabalhadores (com um crescimento de 17% desde o período pré-pandemia). Portugal é o maior produtor de bicicletas da UE. Entre 2015 e 2022, o setor da indústria ligada à bicicleta conseguiu aumentar as exportações de 280 para 800 milhões de euros (um crescimento de quase 200%), empregando atualmente cerca de 9 mil trabalhadores”.

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