As devastadoras inundações no Rio Grande do Sul, no Brasil, são uma demonstração dos efeitos das alterações climáticas, de acordo com os cientistas.

Carlos Nobre, climatologista e investigador brasileiro, considerado um dos maiores especialistas no estudo sobre o aquecimento global, disse à agência Lusa que o aumento da temperatura no planeta induz eventos meteorológicos extremos antes previstos para acontecerem só depois de 2030 e o desastre provocado pela forte precipitação no Rio Grande do Sul é um exemplo dessa nova realidade.

No caso do Rio Grande do Sul, o climatologista explica à Lusa que as tempestades estão a ser causadas por um bloqueio atmosférico provocado pelo encontro de um sistema de baixa pressão do Oceano Pacífico com um sistema de alta pressão que impede a passagem de frentes frias no sul para outras partes do Brasil.

Foto: João Pedro Rodrigues/Governo do Rio Grande do Sul

“Esse sistema de alta pressão não deixa a frente fria passar, ficando estacionada lá no sul do Brasil. Isso foi o que aconteceu a semana passada e causou aquele recorde de chuvas (…) Isso já aconteceu inúmeras vezes, é uma variabilidade meteorológica que sempre existiu. O que está acontecendo com o aquecimento global é que o aquecimento global induz esses extremos que estão ficando cada vez mais fortes”, afirma Carlos Nobre.

Pedro Luiz Cortêz, professor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo, acrescentou que a cúpula de alta pressão que provocou as tempestades no sul do país também desviou os ventos do Oceano Atlântico e uma parte desses ventos carregados de humidade foram direcionados para o leste do Rio Grande do Sul.

O ano de 2023 foi o mais quente já registado no planeta desde 1850, segundo o relatório do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia. No ano passado, o planeta Terra esteve 1,48ºC mais quente do que no período pré-industrial (1850-1900), em média, muito próximo dos limites do Acordo de Paris. “Este aumento sem precedentes da temperatura, sublinhado por uma série de eventos climáticos extremos, desde secas devastadoras e incêndios florestais até ondas de calor marinhas, sinaliza um apelo urgente à ação”, refere a organização no relatório divulgado em fevereiro passado.

“Normalmente essa humidade se espalharia pela região central do Brasil, mas como há essa cúpula de alta pressão, isso forma um corredor de humidade que segue entre os Andes e essa cúpula e vai acabar entrando pelo oeste do Rio Grande do Sul (…) Nós temos uma tempestade perfeita, porque é uma frente fria, estacionada, sendo alimentada por humidade marítima”, aponta.

Nobre destacou que o facto de o planeta estar cada ano mais quente também faz com que eventos meteorológicos como o que devasta o estado mais ao sul do Brasil se repitam com maior frequência.

“Essa é a conexão entre o aquecimento global e esses eventos que estão batendo recordes, eventos meteorológicos e oceânicos extremos”, acrescenta.

De acordo com um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em 2023 foram registados 12 eventos climáticos extremos só no Brasil, sendo nove deles considerados incomuns e dois sem precedentes.

Segundo a OMM, ocorreram cinco ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca e um ciclone extratropical que atingiu o sul do país em setembro passado, deixando como saldo 54 mortos no Rio Grande do Sul e um rasto de devastação do qual os moradores ainda não haviam recuperado quando ocorreu a tragédia provocada pelas mais recentes chuvadas.

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