As alterações climáticas já destruíram uma parte significativa da economia africana e 77% do comércio africano. A conclusão está no “Relatório sobre o comércio em África em 2024” do Banco Africano de Exportação e Importação (Afreximbank) que olhou em especial para o tema das implicações climáticas da implementação da Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA, na sigla em inglês, de “African Continental Free Trade Area”).
“Em África, as temperaturas estão a aumentar mais rapidamente do que em qualquer outra parte do mundo e, até e, até ao final do século XXI, poderão aumentar até 6°C. Ao mesmo tempo, a pobreza generalizada e o baixo nível de desenvolvimento económico em muitos países africanos significam que a capacidade dos governos para responder aos choques climáticos é baixa, intensificando ainda mais a vulnerabilidade do continente”, lê-se no estudo.
Prevê-se que muitos países africanos “enfrentem desafios ambientais crescentes, incluindo temperaturas extremas, padrões de precipitação imprevisíveis, subida do nível do mar, afundamento de terras, inundações costeiras, erosão da linha costeira, agravamento da salinidade dos solos e secas contínuas”.
28 dos países mais vulneráveis às alterações climáticas estão localizados na África Oriental e Austral.
Mas, “embora as alterações climáticas tenham tido um impacto devastador nos países africanos, as emissões de carbono do continente são, ironicamente, as mais baixas do mundo. Num continente onde a maioria das economias depende de produtos de base e de recursos naturais, a forma de descarbonizar sem comprometer o desenvolvimento económico da região continua a ser uma questão fundamental”, salienta este documento.
Em 2022, as emissões per capita geradas pelos países africanos foram de 1,09 TCO2 (toneladas de dióxido de carbono), significativamente inferiores às 15,17 TCO2 geradas pelos Estados Unidos, 6,17 TCO2 pela União Europeia e 25,83 TCO2 pelos Emirados Árabes Unidos.
Atualmente, as economias do continente africano contribuem apenas com cerca de 3,78% para as emissões de gases come feito de estufa, quando as economias dos EUA e da União Europeia representam cerca de 14% e 9% das emissões globais, respetivamente. Numa base per capita e comparando com as emissões que, em termos médios, uma pessoa em África gera, verifica-se que uma pessoa, em média, nos EUA ou nos Emirados Árabes Unidos, emite mais de dez vezes a quantidade de emissões de combustíveis fósseis, e a pessoa média na União Europeia gera mais de cinco vezes.
Para além de enfrentar os desafios colocados pelas alterações climáticas, África terá também de continuar a dar prioridade ao desenvolvimento e ao bem-estar socioeconómico, já que o continente africano tem 33 dos 46 países menos desenvolvidos do mundo.
Apesar dos países africanos representarem mais de 17% da população mundial, contribuem com menos de 3% para o PIB mundial, cerca de 3% para o comércio mundial e menos de 2% da produção industrial mundial.
Embora a redução da utilização de combustíveis fósseis seja da maior importância para a redução das emissões, a maioria dos países africanos depende de fontes de combustíveis fósseis para satisfazer as suas necessidades energéticas básicas, aponta este estudo, lembrando que “África possui reservas abundantes de petróleo e gás natural. Alguns países, incluindo a Namíbia e o Uganda, descobriram recentemente quantidades comerciais de reservas de petróleo bruto, enquanto outros, como a Argélia, Angola, Chade, República Democrática do Congo, Egito, Guiné Equatorial, Gabão, Gana, Líbia e Nigéria, entre outros, dependem do carvão e do petróleo bruto, quer como fontes de crescimento, quer para satisfazer as suas necessidades energéticas”.
“África é geograficamente propensa a fenómenos climáticos adversos. É a região mais vulnerável do mundo às secas e a segunda mais vulnerável às inundações”, destaca o Afreximbank.
A análise do Afreximbank evidencia, por isso, que uma descarbonização abrupta poderia provocar uma erosão adicional do PIB africano de 1% e das exportações de mercadorias de 14,6%.
“Para os principais países exportadores de petróleo, incluindo a Argélia, Angola, a Guiné Equatorial, o Gabão, a Nigéria e a República do Congo, os combustíveis fósseis representam também a principal fonte de receitas de exportação e de receitas fiscais, de criação de emprego, de produção/fornecimento de eletricidade com base em combustíveis fósseis e de alimentação das indústrias com utilização intensiva de combustíveis fósseis. Por exemplo, o abandono dos combustíveis fósseis poderia reduzir o PIB em 30 mil milhões de dólares na Nigéria, 22 mil milhões de dólares na Argélia, 19,3 mil milhões de dólares em Angola e 190 mil milhões de dólares no conjunto do continente. O desafio para estes países será o de saber como financiar o desenvolvimento se se afastarem da indústria petrolífera sem antes conseguirem uma diversificação económica sólida. O argumento central do continente continua a ser: como descarbonizar sem comprometer ou minar as aspirações de desenvolvimento”.
Na perspetiva desta instituição a transição tem de ser feita, mas de modo progressivo, mencionando a existência de programas que têm como objetivo melhorar o acesso ao financiamento “e, mais importante ainda, assegurar transições justas das economias dependentes de combustíveis fósseis para o crescimento verde”.
No geral, o relatório afirma que a otimização desta zona de comércio pode resultar em ganhos potenciais através do aumento do comércio e do investimento intra-africanos, criando prosperidade económica.
O desafio de África: como descarbonizar sem comprometer as aspirações de desenvolvimento
O economista chefe do Afreximbank, Yemi Kale, diz que, embora os benefícios da Zona de Comércio Livre Continental Africana sejam evidentes, o debate sobre o seu impacto nas alterações climáticas ainda divide opiniões: “Um grupo acredita que o aumento da urbanização e da industrialização associado à Zona de Comércio Livre Continental Africana irá agravar as emissões de carbono, e o segundo grupo acredita que, ao enfatizar o comércio intra-africano e reduzir o comércio extra-africano, as emissões de carbono serão eliminadas através de distâncias de transporte mais curtas”, diminuindo o fenómeno das matérias-primas saírem de África, serem transformadas em países de outros continentes e regressarem a África já na forma de produtos transformados.
“Atendendo a que África contribui atualmente muito pouco para as emissões globais e continua altamente dependente dos combustíveis fósseis para satisfazer as suas necessidades energéticas e de receitas, impõe-se uma abordagem equilibrada da atenuação das alterações climáticas”, diz o documento.