O Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), por Acórdão de 6 de junho de 2024, decidiu declarar a nulidade de três deliberações da Câmara Municipal de Benavente (de 18 de maio de 1992, de 6 de dezembro de 1993 e de 21 de outubro de 1996), que aprovaram o loteamento da Herdade da Vargem Fresca, levado a cabo pela sociedade “Portucale-Sociedade de Desenvolvimento Agroturístico SA”, numa área de montado de sobreiros no concelho de Benavente.
O TCAS refere que a decisão da Câmara Municipal de Benavente não foi precedida da avaliação de impacte ambiental e por violar legislação que regula a ocupação do solo objeto de um incêndio florestal.
Este Acórdão, que poderá ainda ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, foi proferido em ação proposta pela Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza em setembro de 2007, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, contra o Município de Benavente e a Portucale – Sociedade de Desenvolvimento Agro-Turístico, SA., bem como o Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.
Em 21 de dezembro de 2007, na sequência de uma providência cautelar, foi proibido o corte de qualquer sobreiro e o licenciamento e/ou a realização de quaisquer obras numa distância inferior a 5 metros do tronco destas árvores protegidas, sentença que se mantém em vigor.
Com o Acórdão agora proferido o Tribunal dá razão ao entendimento que a Quercus sempre defendeu, nomeadamente de que o empreendimento em causa deveria ter sido precedido de um procedimento de avaliação do impacte ambiental, obrigação que foi preterida pelas entidades públicas responsáveis, em especial pelo Ministério do Ambiente e pelo município de Benavente e pelo próprio promotor, a sociedade Portucale.
“Esta é uma decisão judicial que repõe a legalidade neste caso concreto, obrigando a que os atuais proprietários desse imóvel repensem a utilização do mesmo para os fins que têm sido anunciados na imprensa”, comenta a Quercus.
Para a associação ambientalista, a jurisprudência firmada pelo TCAS neste Acórdão “servirá ainda para que casos futuros, similares ao da ‘Herdade da Vargem Fresca’, não venham a suceder e que, sucedendo, os tribunais administrativos os decidam no sentido firmado neste acórdão, declarando a respetiva nulidade”.
O município de Benavente está a estudar o Acórdão e admite recorrer.
Antecedentes do loteamento da Portucale na Herdade Vargem Fresca
A Portucale pretendia desde 1991 construir na Herdade da Vargem Fresca, em Benavente, um empreendimento turístico-imobiliário com 237 moradias, 2 hotéis, dois campos de golfe (entretanto já construídos), um centro hípico, uma barragem (entretanto já construída) e um campo de tiro, num investimento de 200 milhões de euros num terreno com 509 hectares. No final do último Governo de Cavaco Silva, em 1995, o pedido para abate de sobreiros chegou a ser autorizado, mas foi revogado logo a seguir pelo ministro da Agricultura de António Guterres, Fernando Gomes da Silva. No início de 2005, já com o governo demissionário, os ministros da Agricultura, Ambiente e Turismo emitiram o Despacho Conjunto n.º 204/2005 de 8 de março reconhecendo a imprescindível utilidade pública do empreendimento e abrindo caminho para o abate de 2605 sobreiros.
Na altura, a intervenção da Quercus com uma providência cautelar impediu que o abate de sobreiros prosseguisse, mas mesmo assim foram abatidos centenas de sobreiros para abrir arruamentos, antes de o tribunal mandar parar as obras. Logo após o governo seguinte ter tomado posse, a 28 de março de 2005 revogou o despacho conjunto acima referido e proibiu o abate de sobreiros naquela herdade.
Em 2007, a Portucale avançou com as obras de arruamentos no interior do povoamento de sobreiros, tendo a Quercus procurado evitar o seu avanço através de uma providência cautelar e da ação judicial que teve agora Acórdão favorável do Tribunal Central Administrativo do Sul.
foto: Pi Valbuena