Os ambientalistas do GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente e da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável criticam os investimentos que estão previstos serem realizados na expansão do abastecimento do gás fóssil, alertando que colocam em risco o cumprimento das ambições climáticas do país e as metas com as quais Portugal se comprometeu.

Em causa estão as propostas do Plano de Desenvolvimento e Investimento nas Redes de Distribuição de Gás (PDIRD-G) para o período 2025-2029 apresentadas pelos três operadores (REN Portgás Distribuição, S.A.; Sonorgás, S.A.; e Grupo Floene), no âmbito da Consulta Pública da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

Os ecologistas não poupam nas palavras, classificando de “inadmissível” e “escandaloso” o plano previsto.

Terminou esta terça-feira, dia 16 de julho, a consulta pública promovida pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) sobre o Plano de Desenvolvimento e Investimento nas Redes de Distribuição de Gás (PDIRD-G) para o período 2025-2029.

Este plano prevê investimentos da ordem dos 395 milhões de euros no reforço e expansão do abastecimento de gás fóssil “responsável por emissões de gases com efeito de estufa, as quais o país não está a conseguir reduzir ao ritmo necessário para cumprir os objetivos climáticos nacionais e com que se comprometeu internacionalmente”, aponta a Zero.

No entender da Zero, estes investimentos colocam mesmo em causa o cumprimento das ambições climáticas do país constantes no Plano Nacional de Energia e Clima e na Lei de Bases do Clima de redução das emissões “em pelo menos 55% face a 2005, e também o objetivo de neutralidade climática em 2045 ou antes, correndo o sério risco de se tornarem investimentos irrecuperáveis”.

Alienado dos objetivos de descarbonização

O GEOTA exprime também a sua “veemente discordância” com este plano que prevê “a construção de 1380 km de nova rede e a ligação de 100 mil novos pontos de consumo, sendo completamente alienado dos objetivos de descarbonização de Portugal e mesmo escandaloso perante a realidade das alterações climáticas”, alerta Miguel Macias Sequeira, Vice-Presidente do GEOTA e investigador em energia e clima no CENSE NOVA-FCT. 

“Investimento de quase 400 milhões de euros “em novas redes de gás é escandaloso face às metas de descarbonização e às alterações climáticas, alerta GEOTA.

O GEOTA lembra que Portugal assumiu compromissos internacionais para o combate às alterações climáticas, como o Acordo de Paris, e que tem uma Lei de Bases do Clima que declara a emergência climática e vincula o país com a neutralidade climática até 2050. Também o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 preveem fortes reduções no consumo de gás natural, em concordância com a meta de redução de 55% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, face a 2005, consagrada pela Comissão Europeia.

“Assim, os investimentos propostos pela REN Portgás Distribuição, S.A., Sonorgás, S.A., e Grupo Floene estão em contramarcha face à transição energética em curso e correm mesmo um forte risco de se tornarem ativos encalhados (‘stranded assets’) que podem ser ruinosos para os portugueses”, afirma o GEOTA.

Plano anacrónico, acusa Zero

Por seu lado, a Zero declara que, “numa altura em que por razões de segurança é crucial diminuir a dependência energética do exterior, e em que a prioridade deve ser a eletrificação dos consumos domésticos, e não o investimento no aumento do consumo de metano poluente e importado, este plano é anacrónico”.

Inclusive, salienta a associação, o plano “chega mesmo a prever, no cenário de menor procura, que em 2040 o consumo de gás fóssil se mantenha praticamente inalterado face ao presente – com este cenário, a Zero pergunta: onde está a descarbonização?”

O GEOTA lembra que o gás natural é responsável por emissões de gases de efeito estufa, não só na sua utilização, mas também durante a extração, processamento e transporte, contribuindo para o agravar das alterações climáticas: “Adicionalmente, a sua queima nas habitações provoca poluição do ar interior com severas consequências para a saúde dos residentes, especialmente crianças e idosos, existindo também o risco de explosão. A vasta maioria dos novos pontos de consumo propostos nos planos de investimentos são habitações, o que irá perpetuar estes riscos ambientais e de saúde pública”.

A Zero recorda que a diretiva europeia relativa ao desempenho energético dos edifícios (EPBD) propõe a eliminação progressiva das caldeiras independentes alimentadas a combustíveis fósseis até 2040 e, como primeiro passo, a partir de 2025 não devem ser concedidos incentivos financeiros para a instalação desses equipamentos. Por isso, realça que “é absurdo investir em redes de gás para alimentar equipamentos domésticos que vão deixar de ser utilizados a prazo e cuja substituição deveria ser promovida de forma muito mais ativa por parte das autoridades nacionais junto dos consumidores domésticos e indústrias”.

No entender da Zero, “os únicos investimentos necessários na infraestrutura de transporte e de distribuição de gás deverão ser dedicados à boa utilização e manutenção da infraestrutura atual e à injeção de biometano na rede quando a sua produção se encontra em locais próximos da atual rede, o que não parece ser o caso”. 

Ana Rita Prates e Pedro nunes, ambos da Zero, destacam que “o aproveitamento de biometano junto a infraestruturas que o produzem na vizinhança das atuais redes de distribuição de gás não justifica o investimento preconizado na expansão da rede residencial por uma razão fundamental: o biometano deve ser prioritariamente utilizado nos processos industriais sem outra alternativa e no edificado doméstico existente com consumos de difícil ou impossível eletrificação, pelo que a expansão da rede a construção residencial nova é contraproducente”.

Dependência do exterior
A Zero alerta que “a utilização da rede de gás doméstica para distribuição de gás fóssil irá manter os consumidores dependentes de um recurso que vem do exterior e com oscilações de preço sobre as quais o país não tem controle”. O GEOTA refere que “Portugal importa a totalidade do gás natural que consome, sendo que em 2023 quase 80% foi proveniente de apenas dois países (Nigéria e Estados Unidos). Apesar das sanções da União Europeia à Rússia em consequência da invasão da Ucrânia, em 2023, quase 8% do gás natural utilizado em Portugal foi importado da Rússia por via marítima, contribuindo para financiar a guerra”. Para o GEOTA, “esta total dependência dos mercados globais de gás coloca as famílias e empresas portuguesas em situação de elevada vulnerabilidade face a crises dos preços do gás, como ocorrido entre 2021 e 2022, e prejudica fortemente a balança comercial do país”.

Há alternativas? Ambientalistas dizem que sim

“Apesar de não caber às empresas de transporte e distribuição de gás promover a eletrificação, cabe à Zero observar que os montantes gastos em nova infraestrutura de gás, que em boa parte pagos pelos contribuintes, poderiam ser usados, com vantagem, para apoiar a compra de bombas de calor e substituição de equipamentos a gás por outros equipamentos elétricos sempre que o biometano não seja alternativa e a eletrificação seja viável”, aponta a associação.

Do lado do GEOTA, “existem alternativas mais ecológicas, seguras e custo-eficazes que permitem eliminar no curto-prazo o uso de gás em edifícios e na maioria das indústrias. A eletrificação do aquecimento de espaços e água nos edifícios, recorrendo por exemplo a bombas de calor, é 3 a 5 vezes mais eficiente do que o uso de gás natural. Esta eletricidade é cada vez mais gerada através de fontes de energia renovável em Portugal (mais de 80% no primeiro semestre de 2024), contribuindo simultaneamente para a descarbonização e para a redução da dependência externa”, refere.

“Portugal não deve promover a expansão da rede de gás fóssil”, afirma zero

“Portugal não deve promover a expansão da rede de gás fóssil, mas sim encarar a eficiência energética como um dos pilares essenciais do processo para promover a descarbonização, sendo que a eletrificação do edificado e de parte dos processos industriais que hoje consomem gás fóssil, bem como a produção de eletricidade a partir de energias renováveis, são prioritárias e fundamentais para caminharmos rumo a uma economia justa e livre de combustíveis fósseis”, conclui a Zero.

“Numa altura em que Portugal assume compromissos ambiciosos em matéria de alterações climáticas e transição energética, o país deveria estar a planear o descomissionamento progressivo das redes de gás de forma a minimizar as consequências negativas para as famílias e empresas e nunca poderia expandir esta rede com fortes investimentos de capital”, alerta igualmente Miguel Macias Sequeira.

Hidrogénio verde na rede de gás também não é boa ideia, defendem ecologistas

A Zero também se opõe à utilização de hidrogénio verde na rede de gás, “tal como é entendimento dos autores deste PDIRD-G, seja para mistura de 20% com metano fóssil seja sob a forma de 100% hidrogénio. Esta associação adianta três razões: “a mistura de 20% hidrogénio com gás fóssil é uma abordagem de descarbonização enganadora, uma vez que a redução de emissões é de apenas 6% (porque a densidade energética do hidrogénio é cerca de um terço da do gás fóssil), sendo a eletrificação direta muito mais eficiente”; “o uso de hidrogénio para aquecimento é um processo ineficiente, consumindo cerca de 5,5 vezes mais eletricidade do que usar a mesma eletricidade diretamente numa bomba de calor”; “o hidrogénio verde é um recurso de baixas emissões escasso que deverá ser utilizado na descarbonização da indústria, da aviação e do transporte marítimo, onde não existe outra alternativa”.

Assim, a Zero considera que os projetos apresentados com incorporação de hidrogénio são desnecessários e sem futuro. Nesta lista estão incluídos os projetos Retrofit Project: Long Term Dercabonization Plan e H2GVillage da Floene e o SMART Hydrogen Adaptation proposto pela Sonorgás”.

Idêntica opinião tem o GEOTA: “A utilização de hidrogénio verde ou outros gases renováveis em edifícios, muitas vezes apenas numa pequena percentagem misturada com gás natural, é tecnicamente desafiante, extremamente ineficiente e irracional do ponto de vista económico face às alternativas. A utilização destes gases na transição energética deve ser reservada para os setores difíceis de descarbonizar”.

O GEOTA espera que a ERSE, no âmbito da consulta pública em curso, rejeite os planos de investimento dos três operadores de rede “por se encontrarem em claro conflito com a Lei de Bases do Clima e com o Plano Nacional de Energia e Clima 2030”.

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