José Rui Marcelino é o CEO do atelier de design Almadesign e tem inúmeros projetos assinados nacional e internacionalmente no domínio dos transportes, sejam automóveis, autocarros, embarcações, comboios e aviação.

A AED é uma associação que envolve mais de 130 entidades portuguesas que trabalham nos setores da Aeronáutica, do Espaço e da Defesa.

Este especialista acumula também o cargo de vice-presidente da AED – Aeronáutica, Espaço e Defesa Cluster Portugal, acompanhando o que mais de recente se faz no mundo do design e dos transportes.

Ao Welectric, deu-nos a sua perspetiva sobre a aviação comercial e a sua descarbonização, bem como sobre o futuro que são os vertiports para drones. E como Portugal já está a procurar posicionar-se neste domínio.

José Rui Marcelino

A aviação tem uma pegada de carbono elevada. Os combustíveis sustentáveis para aviação (SAF) são a solução a curto prazo para reduzir este impacto ambiental. Mas a longo prazo o que podemos ter, além dos eSAF?
José Rui Marcelino:
Tal como tenho testemunhado em diferentes conferências sobre o setor, as opiniões mais sensatas defendem a coexistência de diferentes soluções nos próximos anos. Desde diferentes tipos de SAF para longo curso, ao híbrido-elétrico com ou sem hidrogénio para o médio curso/regional, até elétricos para curtas distâncias. A resposta one-solution fits all parece-me menos provável a curto e médio prazo. Nos próximos anos, o crescimento, desenvolvimento e implementação destas soluções continuará em paralelo, pelo que, saber o que predominará a mais longo prazo, é uma discussão mais académica.

Apesar de várias experiências e projetos de aviões com baterias elétricas, acredita nesse cenário para a aviação comercial?
Em parte, já respondi anteriormente. Julgo que não, para breve. Partindo do estado de evolução atual, e da curva de desenvolvimento das baterias que hoje conhecemos, seriam necessários muitos anos. Nunca sabemos se não pode haver um salto quântico, mas, no curto-médio prazo, creio que assistiremos a uma coexistência de diferentes soluções para diferentes fins.

Em Portugal há projetos em curso focados na redução das emissões de carbono da aviação?
Sim. Existem vários projetos relevantes a nível nacional e internacional. Não só na eletrificação de aeronaves existentes, como na criação de eVTOLs ou no desenvolvimento de SAF ou biocombustíveis. Existem também projetos com parceiros europeus, como no âmbito do programa Clean Aviation da UE, como o HERA (Hybrid Electric Regional Aircraft). O desenvolvimento de materiais e soluções mais leves para os componentes interiores e exteriores contribui também para a redução das emissões.

Pode explicar o conceito de vertiports e a sua importância para a mobilidade urbana?
Um vertiport é como um heliporto para helicópteros mais eficientes, veículos com uma pegada mais reduzida, pois necessitam de menos área para aterrar, menos poluentes, menos ruidosos e com um custo de operação que pode ser quatro a cinco vezes inferior. Neste contexto, é natural que a apetência por este mercado tenha um crescimento rápido em relação aos helicópteros convencionais.

Imagem: Almadesign

O crescimento desta opção, implicará a necessidade de criar mais pontos de aterragem, para maior conveniência dos passageiros e carga, e cujas infraestruturas e regulamentação ainda carecem de regulamentação internacional.

Por outro lado, a existência desta opção representa uma terceira dimensão da mobilidade urbana (ou suburbana) e, portanto, novos desafios para a sua articulação com a mobilidade terrestre existente (na ótica da continuidade do serviço), mas também com a navegação (na perspetiva da segurança e interferência no espaço aéreo). Nesse sentido, para além da autonomia e segurança, as infraestruturas e regulamentação são os principais desafios do momento.

Este sistema de transporte proposto pelo consórcio FLY.PTT combina um skate elétrico autónomo com um drone aéreo autónomo através do acoplamento/desacoplamento de uma cabine de passageiros, permitindo simultaneamente a mobilidade horizontal e vertical.

Há projetos de vertiports ou de drones em desenvolvimento em Portugal, no âmbito da iniciativa Fly PT? O que está previsto e quais os principais desafios para a sua implementação?
Sim, há vários projetos em curso. O projeto FLY.PT e as iniciativas em curso na sua esteira pretendem exatamente abordar esta terceira dimensão da mobilidade. Como referido, mais do que a aeronave e a sua autonomia, a regulamentação, o modelo de negócio e as infraestruturas são também desafios a considerar. O FLY.PT é um projeto mobilizador para desenvolver soluções nestas áreas, cujos resultados, para além dos do próprio projeto, têm permitido aos parceiros do Cluster AED trabalhar com outras iniciativas e soluções para este mercado – projetos nacionais e internacionais –, que chegarão até nós nos próximos anos.

Fala-se de vertiportos para drones. Portugal pode ter algum papel a desempenhar aí ou, de uma forma isenta, será difícil isso acontecer dado o historial do país que demorou 50 anos a definir o local de um aeroporto?
Pessoalmente, acho que o exemplo do aeroporto internacional não tem muita relação. Os vertiports serão espaços e investimentos muito menores, cuja operação pode ser gerida por entidades completamente diferentes. Mas a terceira dimensão da mobilidade será uma realidade, não sabemos se daqui a 5 ou 10 anos. Os helicópteros existem. E os sistemas eVTOL serão 4 a 5 vezes mais eficientes. Por isso, é natural que venhamos a ver mais aeronaves deste género do que helicópteros, num futuro próximo. Veja-se, por exemplo, as vantagens que estes sistemas podem trazer no transporte para a área médica, de mercadorias urgentes ou para as forças de segurança e vigilância.

“Os sistemas eVTOL serão 4 a 5 vezes mais eficientes do que os helicópteros. Por isso, é natural que venhamos a ver mais aeronaves deste género do que helicópteros, num futuro próximo”.

A determinação dos pontos viáveis para interface com esta nova forma de mobilidade estará certamente distribuída por um conjunto diferente de stakeholders – desde operadores de transporte de passageiros, às forças de segurança, hospitais ou autarquias –, com processos de decisão mais ágeis e menos condicionados por decisões políticas e de estratégia nacional. Contando que há várias entidades do Cluster já envolvidas em diferentes projetos de eVTOL, com certeza que os membros do Cluster terão o seu papel. Por isso, existem várias iniciativas nacionais em curso para determinar as características destes vertiports em diferentes contextos.

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