A embaixadora do Pacto Climático Europeu, Ana Milhazes, presente no encontro mundial “Planetiers” que decorreu de 27 a 29 de outubro, em Aveiro, identificou as vantagens de adotar um estilo de vida mais saudável e sustentável, dando, inclusive, o seu próprio exemplo.

Fundadora do movimento Lixo Zero Portugal, Ana Milhazes diz que a “publicidade e redes sociais criam a constante sensação de que tudo é necessário, de que não se pode perder nada”, de que se é menos se não se tiver mais.

À agência Lusa e à margem do workshop “Viver Leve: Pequenas Ações, Grandes Impactos” sobre consumo sustentável e redução de consumos supérfluos que fez no World Gathering Planetiers, no Centro de Congressos de Aveiro, Ana Milhazes afirma que, ela própria, já teve essa fase: até 2011 era “completamente viciada” em roupa e sapatos, vivia num T2+1 que demorava todo um fim de semana a limpar, comprava soluções de arrumação para coisas a que nunca dava uso. Só quando se pôs a analisar a sensação de que 24 horas não lhe chegavam para tudo e de que a sua vida era apenas “casa-trabalho, trabalho-casa” é que decidiu implementar pequenas mudanças para um rumo mais sustentável: deu tudo o que não usava, destralhou os móveis, trocou a compra de peças novas por aquisições em segunda mão, começou a frequentar lojas com mais opções a granel, passou a enviar o lixo biológico para compostagem e ainda criou listas de estabelecimentos adeptos dessas práticas e de truques de ‘slow living’ para partilhar com terceiros.

Agora que a sua casa se limpa numa hora, a embaixadora do Pacto Climático Europeu identifica ainda outra vantagem ao estilo de vida mais saudável e sustentável em que se tornou uma referência: “Quando se passa a escolher apenas o essencial, também se começa a dizer mais vezes ‘não’ e a fazer menos fretes. Ficamos com tempo para reparar no que de facto nos faz bem e a prioridade passa a ser fazer aquilo de que realmente gostamos, com as pessoas que verdadeiramente importam”.

É por isso que Ana Milhazes realça que “viver mais devagar não é privação, ascetismo ou sofrimento”. Garante: “É apenas escolher melhor o que temos – e até podem ser coisas materiais, consoante o gosto de cada um – para nos sobrar mais tempo para estar com as pessoas de que gostamos e a fazer o que nos dá gosto”.

“Podemos começar devagar, uma pequena mudança de cada vez… E depois de se entrar nesse círculo virtuoso, então já não se volta atrás”, declara.

Ana Milhazes, autora do livro “Vida Lixo Zero” e especialista em “slow living”, entende que os portugueses vivem mais agarrados a bens materiais do que outros povos e tendem a endividar-se para impressionar pessoas de que nem gostam.

“A sociedade portuguesa tem a necessidade de ‘mostrar’ e precisa de um carro bom mesmo que a sua casa não esteja a nível idêntico. É por isso que costumo dizer que os portugueses compram coisas de que não precisam, com dinheiro que não têm, para impressionar pessoas de que não gostam”, explica esta socióloga.

Essa postura é ainda mais evidente quando comparada à dos países nórdicos, onde a população “ganha muito mais, mas as habitações têm menos tralha, os carros são mais modestos e se compra muito menos roupa”, afirma à agência Lusa.

Ana Milhazes admite, contudo, que o apego aos bens materiais por parte dos portugueses nascidos até meados do século XX pode ser particularmente motivado pela memória da pobreza a que estiveram sujeitos nas suas primeiras décadas de vida – o que justifica também a resistência a práticas como a da reutilização de vestuário, que reabre a ferida da carência ao lembrar o tempo em que a mesma peça de roupa passava de irmão a irmão, de primo a primo e até de patrões a empregados até estar totalmente inutilizada.

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