Quase 34 horas depois da hora prevista, foram aprovados em Bacu, no Azerbaijão, os documentos principais da 29ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, COP29.
Francisco Ferreira, Presidente da associação Zero, e Susana Militão, gestora de projetos na área das alterações climáticas, estiveram presentes na COP29 e referem que no que diz respeito ao tão esperado financiamento coletivo climático (New Collective Quantified Goal – NCQG), o acordo a que se chegou é “pouco ambicioso e insuficiente, face às necessidades reais dos países em desenvolvimento e, em particular, dos estados pequenas ilhas (Small Island Developing States – SIDS) e dos países menos desenvolvidos (Least developed Countries – LDCs)”.
“O financiamento para a ação climática tem de deixar de ser visto como um ato de caridade dos países ricos para com os mais vulneráveis, mas, sim, como uma responsabilidade partilhada, devendo ser liderada por aqueles com maior responsabilidade histórica e/ou capacidade financeira – uma contribuição para que as gerações futuras tenham a possibilidade de viver um futuro mais seguro sustentável para todas as nações do mundo”, destaca a Zero.
“A proposta apresentada espera que todos os países contribuam para se conseguir atingir o teto de, pelo menos, 1,3 biliões de dólares por ano, enquanto o financiamento público fica apenas pelos 300 mil milhões de dólares, por ano, até 2035 – muito abaixo das responsabilidades históricas associadas às suas emissões. Além do montante já ser considerado bastante baixo, há ainda que ter em consideração a inflação, prevendo-se, assim, que os propostos 300 mil milhões de dólares para 2035, irão equivaler, na realidade, a um valor muito inferior ao atual. Por outro lado, foi aprovado, pelo menos, o triplicar os fluxos anuais de saída de fundos como o Mecanismo Financeiro, o Fundo de Adaptação, o Fundo para os Países Menos Desenvolvidos e o Fundo Especial para as Alterações Climáticas em relação aos níveis de 2022, o mais tardar até 2030, tendo esta decisão de ser revista em 2030”, refere a Zero.
“Os interesses dos combustíveis fósseis tiveram uma forte influência na COP29, com uma pressão evidente para preservar os lucros exorbitantes do petróleo e do gás, refletida no resultado final, que deixou muito a desejar”, refere a Zero: “A Arábia Saudita, por exemplo, recorreu a táticas de coerção para enfraquecer o consenso alcançado no ano passado no Dubai sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e, segundo relatos, pode ter interferido no texto oficial das negociações. Além disso, os Estados Unidos, e outros países cuja prosperidade está vinculada a economias baseadas em combustíveis fósseis, não se comprometeram a fornecer recursos suficientes para ajudar as nações de baixos rendimentos na transição para fontes de energia limpa. Mais uma vez, os países mais vulneráveis são deixados a pagar o preço dos impactos das alterações climáticas, enquanto os países desenvolvidos se esquivam às suas obrigações”.
Para os ecologistas, “a ‘COP das finanças’ falhou em responder às necessidades climáticas dos países em desenvolvimento, oferecendo apenas uma fração dos biliões necessários. Esta incapacidade de assegurar um financiamento climático adequado representa um fracasso da justiça, o que é profundamente preocupante e alarmante”.
O principal tema em discussão nesta conferência foi “infelizmente aprovado quebrando a regra de consenso que se exige nas negociações, dado que vários países só se puderam manifestar contra o conteúdo do documento relativo ao financiamento climático posteriormente à viabilização do mesmo pelo Presidente da COP, acentuando uma forma de tomada de decisões que não é desejável numa conferência desta natureza. Conseguir um Acordo é relevante, mas quebrar princípios é indesejável”, comenta ainda a Zero.
O texto saído da COP29 referente à mitigação “é fraco e falha em estabelecer metas concretas para assegurar uma trajetória global compatível com um aumento de temperatura de 1,5 °C face à era pré-industrial, não apela suficientemente à redução das emissões e à ambição das Contribuições Nacionalmente Determinadas (National Determined Contributions – NDC), que todos os países devem apresentar até fevereiro de 2025, comprometendo a urgência necessária para mitigar os impactos das alterações climáticas”, assinalam os ecologistas.
Tal como pedido por uma iniciativa de várias personalidades durante a COP29, “é indispensável garantir que estas reuniões têm lugar em países onde seja dado o direito à manifestação e onde os interesses dos combustíveis fósseis não sejam determinantes na condução dos trabalhos. Na COP30, no próximo ano do Brasil, espera-se finalmente uma reunião diferente, após três anos limitados no Egito, Emirados Árabes Unidos e agora Azerbaijão”, refere a Zero.
Zero apela a aumento exponencial do financiamento climático internacional por Portugal: “9 milhões de euros por ano é insignificante”
No que respeita à contribuição para o financiamento climático internacional, Portugal totalizou até ao momento um montante de 68,5 milhões de euros. Este valor inclui 12 milhões de euros para a conversão da dívida de Cabo Verde em investimento climático e 3,5 milhões de euros para a conversão da dívida de São Tomé e Príncipe com o mesmo objetivo. À escala anual, Portugal comprometeu-se com um total de 9 milhões, tendo anunciado em 2023 uma contribuição de 5 milhões de euros para o Fundo de Perdas e Danos, destinado a apoiar os países em desenvolvimento mais vulneráveis aos impactos das alterações climáticas e 4 milhões para o Fundo Climático Verde. “Tendo em conta que a ordem de grandeza do financiamento por parte dos países desenvolvidos está nas centenas de milhares de milhões, a Zero considera que o governo português, também em interação com a sociedade civil, deve encetar nos próximos meses uma discussão profunda sobre uma enorme ampliação do seu financiamento e da respetiva forma, tendo em conta nomeadamente as suas responsabilidades em termos de emissões históricas de gases com efeito de estufa”, refere a organização.