Em plena crise climática, o hidrogénio verde tem sido cada vez mais promovido como uma “solução milagrosa” para a transição energética em vários setores e como um elemento-chave para alcançar a neutralidade climática.
A União Europeia (UE) definiu o hidrogénio verde como uma prioridade nas suas estratégias e planos de investimento, prevendo um consumo de 20 milhões de toneladas de hidrogénio verde até 2030.
Como resultado, têm surgido numerosos projetos e iniciativas relacionadas com hidrogénio verde, que contemplam a exportação de quantidades substanciais deste recurso, como é o caso do projeto H2Med, o mais relevante projeto de exportação de hidrogénio, por gasoduto, da Península Ibérica para a Europa Central.
No entanto, várias organizações ambientais têm dúvidas sobre se estas iniciativas estão a ter em conta os potenciais inconvenientes, ou se houve uma comparação com alternativas mais sustentáveis.
Os custos escondidos do H2Med
O projeto do gasoduto H2Med tem como objetivo transportar hidrogénio verde de Portugal, passando por Espanha, pelo Mar Mediterrâneo, até França e, por fim, à Alemanha. Este projeto inclui a construção de duas secções principais: CelZa e BarMar.
A secção CelZa liga Celorico da Beira, em Portugal, a Zamora, em Espanha. Esta extensão cobre 162 km em território português, terá uma capacidade de 750 kton de hidrogénio verde por ano e está orçamentada em 350 milhões de euros. A produção deste volume de hidrogénio verde exigirá cerca de 6-7 GW de capacidade de eletrólise, superando os 3 GW estabelecidos como meta no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) de Portugal.
Além disso, será necessária a instalação de 14-17 GW de nova capacidade de energia renovável, o dobro da capacidade renovável instalada em Portugal em 2023.
A secção BarMar corresponde ao segmento submarino do gasoduto, ligando Barcelona, em Espanha, a Marselha, em França. Este trecho terá uma extensão de 455 km sob o Mar Mediterrâneo e está projetado para custar 2,5 mil milhões de euros.
CelZa | BarMar | |
Condutas | ||
Comprimento | 248 km | 450 km |
Diâmetro | 28″ | 28″ ou 42″ |
Profundidade máxima | / | 2600 m |
Pressão de funcionamento | Até 100 bar | Até 210 bar |
Estação de compressão | ||
Potência | 24,6 MW | Até 140 MW |
Capacidade máxima de transmissão | 0,75 Mt | 2 Mt |
Orçamento | ≈ 350 milhões de euros | ≈ 2135 milhões de euros |
No total, o H2Med terá uma capacidade de transporte de até 2 milhões de toneladas de hidrogénio por ano até 2030. Com estes objetivos, a Península Ibérica contribuiria com 10% das metas da União Europeia ou 20% das metas de produção interna.
Várias organizações manifestam as suas preocupações relativamente ao gasoduto H2Med e ao uso ineficiente do hidrogénio verde, num manifesto subscrito por: Academia Cidadã; Amigas de la Tierra; ANP-WWF; ATTAC España; Climáximo; Ecologistas en Acción; Ecologistes en Acció; El FANAL – Grup Ecologista del Moianès; Federació d’Ecologistes en Acció de Catalunya; Federación de consumidores y usuarios CECU; Food & Water Action Europe; Fundación Ecología y Desarrollo (ECODES); Fundación Renovables; Gas no es solución; Galiza sen gas; GEOTA; Grup per a la Defensa del Medi Natural de la Segarra – Ecologistes de Catalunya; IAEDEN-Salvem l’Empordà; Les Amis de la Terre France; Linha Vermelha; Milvoz; NOAH – FoE Denmark; Observatori del Deute en la Globalització (ODG); Observatori DESCA; Plataforma por un Nuevo Modelo Energético; Rebel·lió o Extinció BCN – Extinction Rebellion Barcelona; ReCommon; ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.
Para tal, seria necessária a instalação de, pelo menos, 40 GW de nova capacidade de energia renovável em Portugal e Espanha.
Ora, é a partir daqui que os ambientalistas começam a colocar reservas ao projeto. Isto porque esta quantidade enorme de energia renovável que vai ser necessária “geraria competição por terrenos, recursos de energia renovável e infraestruturas de transporte de eletricidade, podendo comprometer a disponibilidade de energia renovável para consumo interno”, segundo os ecologistas que acrescentam que “este aumento substancial da capacidade renovável pode ter impactos significativos nos ecossistemas, com potenciais perturbações nos habitats e ameaças à biodiversidade”.
Caso o gasoduto seja concluído, mas a disponibilidade de hidrogénio verde seja insuficiente, a solução de recurso será a mistura com gás fóssil, consideram os ambientalistas, abordagem que “pode prolongar a dependência do gás fóssil por décadas, aumentar a dependência energética de países estrangeiros e continuar a ser uma fonte significativa de emissões de gases com efeito de estufa (GEE)”.
Acresce que “o transporte de hidrogénio é tecnicamente desafiante e consome quantidades significativas de energia. Por isso, priorizar a produção e consumo local de hidrogénio verde é mais eficiente, reservando-o para setores de difícil eletrificação acompanhado de medidas de redução da procura (por exemplo, produção de aço, amoníaco, aviação e transporte marítimo)”, concluem os ecologistas.