Eu sei: o título parece um bocadinho disparatado ou, no mínimo, demasiado simplista. Mas trouxe o leitor até aqui e peço que fique só mais um pouco, para eu ter a oportunidade de provar um ponto de vista. Este artigo surge na sequência dos últimos acontecimentos relativos à rede de carregamento de veículos elétricos em Portugal, em particular a aprovação de um projeto de resolução que recomenda ao governo a adoção de um novo quadro legislativo para este setor.
O modelo português, com uma entidade gestora da mobilidade elétrica, a Mobi.e é uma solução diferente da adotada por todos os outros países na Europa. Não sei se há algum modelo semelhante noutras partes do mundo.
A grande vantagem é a universalidade do acesso: com um cartão de uma empresa certificada para vender energia para a mobilidade, é possível carregar em qualquer ponto de carregamento, desde que esteja ligado à rede pública, supervisionada pela Mobi.e. Para o sistema ser eficiente, todos os pontos de carregamento disponíveis ao público têm que estar ligados a esta rede pública. Como este sistema envolve um fornecedor de energia, um gestor do posto, o transportador de eletricidade e a entidade coordenadora, é um sistema complexo.
Pondo de lado considerações relativas ao monopólio e envolvimento do estado nas atividades económicas — não vou debruçar-me sobre ideologias — é um facto incontornável que a complexidade é, em regra, mais dispendiosa, o que se traduz, invariavelmente, num custo superior para o consumidor final.
A complexidade tem outro efeito negativo que é uma certa falta de transparência e, sobretudo, de responsabilização. Se temos várias entidades envolvidas, quem é responsável por preços mais altos no carregamento? É a taxa da Mobi.e? O preço da energia? O modelo de rentabilização adotado pelos gestores do posto? Estamos habituados a que seja de todos e, portanto, de nenhum, prolongando ad aeternum uma situação desfavorável.
Já o modelo da Tesla — falando apenas do seu sistema específico de carregamento — é o cúmulo da simplicidade: chegar ao posto, ligar o cabo, fazer o que lhe apetecer durante algum tempo (pouco), retirar o cabo e seguir viagem, podendo verificar de imediato qual o valor do carregamento efetuado (o que é impossível no sistema atual). A integração vertical do processo é o mais simples possível: a Tesla compra a energia e vende a energia diretamente ao consumidor, por um preço que determina e que é conhecido, a todo o momento, por este.
Este contraste entre o modelo Tesla, com muitos utilizadores que conhecem bem os seus benefícios, e o modelo Mobi.e foi essencial para a situação em que chegámos. Este último não foi capaz de evoluir para a simplificação e, lá está, a culpa não é de uma entidade em particular, mas de todos. Podia ser otimizado? Acredito que sim, mas precisaria de uma união de vontades muito diversas que até agora nenhuma força conseguiu mobilizar.
Para cúmulo, o modelo português acabou por tornar impossível, perante a lei, a sua coexistência com o sistema mais eficiente e simples: a rede Tesla, um braço de ferro impossível de vencer, sobretudo tendo em conta o peso reduzido do nosso mercado.
Claro que este processo de transição ainda vai demorar algum tempo a ser efetivado e há muitos detalhes que não cabem nesta reflexão, mas tudo parece indicar que a ligação à Mobi.e passará a ser opcional e a experiência de carregamento em Portugal caminhará para uma homogeneização com os restantes países da UE, o que, convenhamos, mais cedo ou mais tarde, era inevitável. A Europa não quis o nosso modelo e, num mundo em que todos queremos simplificação de processos, não é difícil perceber porquê.
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